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segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Do capitalismo primitivo ao selvagem : as febres do Macacú e a tragédia do Rio Doce


       

“ eu vejo o futuro (presente) repetir o  passado, eu vejo um museu de grandes novidades .O tempo não pára. Não pára, não, não pára !”
                                                                                                                      (Cazuza/Arnaldo Brandão)




                                         Preâmbulo

Muitos sonham com a factibilidde de um tal ‘ elixir da juventude ’ , ou mesmo a possibilidade do transporte de matéria , através de um hipotético túnel do tempo.  Puro devaneio daqueles que se perderam em anos : a Roda do Tempo e da História só se move em sentido único !

Mas há que se falar em repetição histórica. E ao que me parece, vivo isto neste exato momento: na beirola dos sessenta  e caminhando célere para bater a cassuleta, ainda assim me sinto como Fênix, - renascido :  com o fôlego , desejos e volúpias daqueles meus saudosos 25 anos de idade . O trabalho, as conjecturas,  o estudo, a História como fonte para a transformação, e agora a volta do brilho nos meus olhos. Enfim, só mudam mesmo a conjuntura e as personagens.

Ao iniciar a compilação deste modesto texto, rememorei  tardes inenarráveis , nos idos de 1981. O chopinho e o quibe crú com coalhada no Restaurante Rio Safita (na Glória) em companhia do amigo Adamastor Camará, e dali as esticadas até o apartamento de Darcy Ribeiro, no Leblon. Era o máximo estar ali rodeando a nata do pensamento crítico nacional : Darcy, Houaiss, Adamastor, Grisoli, Scliar, e às vezes Wadi Salomão. Eu não dava um pio, um pum sequer ! Sorvia cada intervenção, conjectura , a retórica de cada     um daqueles monstros da cultura, suas réplicas e tréplicas. Tudo sempre regado a um bom uísque importado. Haviam pausas e às vezes algumas representações cênicas de xavantes ou txucarramães seminús, que costumavam se hospedar no apê de Darcy.
Lá pelas tantas, eu deixava o Adamastor na Sá Ferreira, onde morava, e  retornava à Itaboraí, no fusquinha que ele me emprestava, rumo ao sítio em Badureco.
1981, o meu ano, que não terminou,... ainda !

                                     da Série " Isto é História " nº 14/2015

( grifos meus, em negrito. Notas, adendo ou comentário meu, em vermelho)

         A presente postagem faz parte de uma série de publicações específicas, - iniciada em 09/01/2015 com a história da ex-escrava Elisiária da Conceição-, totalizando 13 (sem esta) com 956 visualizações, versando sobre os primórdios do Vale e Sertões do Macacú, da antiga povoação do Cassarabu, cujo primeiro registro notável , data da década 70 do século XVI    , e descreve a expedição de Padre Antônio Vieira  ao aldeamento dos índios de São Barnabé, pelos cursos do Aldêia e do Macacú.

¹ provavelmente haveremos de encontrar algum registro anterior a este sobre expedições francesas na barra do Macacú.



íntegra em :



Do capitalismo primitivo ao selvagem : as febres do Macacú e a tragédia do Rio Doce



planta plotamográfica de Luis de Souza Vilhena e Amador Verissimo de Aleteia - 1801


(vemos no mapa acima, o Rio Macacú, ao lado do Guaxindiba, (Manuscrito contendo coleção de mapas e  notícias Soteropolitanas e do Espírito Santo ), .... e no extremo da Carta plotamográfica vemos ainda o S.Thomé e o saudoso e falecido Rio Doce.)




        É lugar comum,  atribuir-se a Vieira Leão, a primeira descrição detalhada da bacia hidrográfica do Macacu, datada de 1776. Outros também o fizeram posteriormente, como Saldanha da Gama , em 1819 e Mendes Antas, em 1855. Isto sem falar no Memorial Descriptivo do districto da extinta Vila de Santo Antônio de Sá (¹), elaborado pelo capitão-mór Francisco de Amorim Lima, em 1797, onde ele descreve a totalidade dos rios, córregos, riachos e lagoas, bem como as observações e descrições de Monsenhor Pizarro, e mais recentemente (séc.XX) por J. Mattoso Maia Forte e Alberto Lamego.

(¹) http://vinholivrosehistoria.blogspot.com.br/2015/09/o-desconhecido-relator-e-o-memorial.html

         Hoje me ocuparei especificamente  da questão dos pântanos do Macacú e suas febres paludosas .

         No entretanto, para descargo de consciência, não posso deixar de antes traçar um paralelo entre as febres de 1828 e  o desastre  ambiental provocado pela Samarco em 2015, ( ambos criminosos )em face à similitude entre o extermínio de milhares de almas no séc. XIX em Macacú, no RJ,  e a morte do Rio Doce, em MG, neste primeiro quartel do séc.XXI :  a intervenção desastrosa do homem que coloca em perigo a vida de todos levando morte e degradação ao ecossistema.

      Ontem um único e opulento indivíduo. Hoje uma poderosa corporação : do capitalismo primitivo ao selvagem, Domingos Leão e Samarco são farinhas de um mesmo e único saco.
       Não há mesmo que se falar destes dois eventos, tipificando-os como " acidentes " : ambas intervenções foram criminosas, levadas a cabo com iminentes riscos presumíveis !


     Portanto, trago para leitura a transcrição de um memorial (ou Memória Descriptiva) datado de 1846, como sendo o primeiro estudo sobre as prováveis causas das febres de 1828, que dizimaram uma população inteira, trazendo ocaso e ruína a então fértil e promissora vila.
Este estudo foi elaborado por Felício Fortes de Bustamante Sá., Chefe do 7º distrito de Santo Antônio de Sá, fazendeiro, publicista e político tradicional das plagas de São José da Boa Morte, onde sua família além de vastas propriedades , era detentora da maior Olaria da região, além da primeira (e única) tipografia em Macacú , no Primeiro Império.





O PROVINCIANO FLUMINENSE: pela data de sua fundação, 1830, provavelmente teria sido o primeiro periódico da região. Neste exemplar único microfilmado pela Biblioteca Nacional em 1988, e datado de 1835, bem deteriorado, podemos ver em suas 4 páginas notícias interessantes, como o Edital proibindo que os negros saissem à rua em dia santo, e à noite, caracterizando ainda, como crime, a reunião com mais de seis negros em tavernas ou em via pública. Outra notícia interessante é sobre o último guardião do Convento S.Boaventura, frei Theotonio de Sana Humiliana, pleiteando recursos ao governo para cobrir as despesas com o atendimento aos doentes "das febres", visto que o Convento fora transformado em hospital. Na folha de rosto vemos onde era rodado: na Typografa Macacuense, de propriedade do irmãos Alexandre e Felício Fortes de Bustamante Sá .



        

                              Província do Rio de Janeiro

" Memória descriptiva dos pântanos do município de Santo Antonio de Sá com a exposição das principais circumstancias que tornarão a sua existência sensivelmente differente do seu estado primitivo, acompanhada de algumas considerações sobre os inconveniente produzidos por esta mudança de estado, e terminada pela indicação do meios de seu dessecamento. "

   Descripção topographica d’estes pantanos

Os municípios de Santo Antonio de Sá, Magé e também o de Itaborahy são banhados por um pântano que estende no sentido L O desde os mangues da Bahia de Nictheroy até a freguezia da Santíssima Trindade do 1º município.

A parte que pertence á Itaborahy principia em Itamby, que segue pela margem esquerda do rio Macacú, envolvendo o do Porto das Caixas até o Arraial d’este mesmo nome, dirige-se pela esquerda do Cassarebú, e termina no logar da Combica: esta parte do pântano que se communica com o de Magé pelo rio Macacú até a foz do Cassarebú, e com o Santo Antonio de Sá pelo mesmo Cassarebú até o logar da Patitiba, à quem da Combica, cobrirá uma superfície de 400.000 braças quadradas.

A parte pertencente ao districto de Santo Antonio de Sá, formando um saliente em contacto, com esta pela divisa de Itaborahy, segue as sinuosidades do Cassarebú desde a sua foz até a fazenda dos Palhares na Patitiba,, por uma superfície de 2.000.000 de braças quadradas, communica-se com a de Magé no ngulo da confluência do Cassarebú e Macacú, e d’ahi pela margem esquerda do Guapiassú desde a sua foz no Macacú até os morros de Pirassununga, internando-se pelo município de Macacú na direção L O até a freguezia da Trindade; tendo por limites ao sul a margem direita do Macacú, e ao norte os morros de Pirassununga, Morobahy, Rabello e Pico, e comprehendendo uma superfície de cerca de 18.000.000 de braças quadradas.

 A parte comprehendida no districto de Magé, de certo mais considerável, e tão nociva como esta, em contacto com as precedentes pelos limites referidos a L e S, estende-se aos mangues na direção L O, e termina nos terrenos elevados da Villa de Magé, e morros adjacentes à serra em direção à Pirassununga,  abrangendo uma superfície de mais de 2 ¹/² léguas quadradas.

Os esgotos naturaes destes páues são :  no que pertence à Itaborahy  os rios Porto das Caixas e o Cassarebú; na parte de Macacú, o rio d’este mesmo nome, o mesmo Cassarebú, o Guapiassú, o dos Morros, o do Entulho, do Pinto, e do Trimerim; na que toca a  Magé os mesmos rios Macacú e Guapiassú, Guapemirim, o Guarahy, o Magémirim, e o Magé. A exceção do Macacú, Guapiassú e Magé, que entretem uma navegação activa, todos o mais, embora com alguma navegação, como o Guapemirim, acham-se tão obstruídos de vegetais aquáticos, e outros obstáculos, e suas águas tem tão retardado movimento, que apenas se sente alguma corrente, parecendo que estão em perfeito equilíbrio.

Dizendo acima que os pântanos do districto de Santo Antonio de Sá, se limitão ao sul pela margem direita do Macacú, não quiz ommitir a existência de algumas ramificações que se notão destacadas pela margem  opposta,   como sejão os brejos do Riacho, Imbohy, Santa Anna, e outros menores, que todos se escoão no Macacú com mais ou menos estagnação de fácil remédio.

Devo também notar, que pela margem direita existem alguns comoros, ou logares mais altos, por onde se praticarão os caminhos municipaes, como o de S. José da Boa Morte e Trindade, que todavia offerecem péssimo e perigozo trânsito; porque quando não estão  submergidos acham-se no estado de um continuado atoleiro : pelo contrário a margem esquerda é comparativa, e geralmente muito mais alta, enchuta e consistente; e por isso com rasão tem sido preferida de longa data para a passagem da estrada do Porto das Caixas á Cantagallo.

   Observei ainda que a parte pantanoza existente no districto de Magé é mais considerável, que  a de Macacú, e igualmente nociva, como disse acima; e isto não só em relação  à maior superfície, que alaga e inutilisa, como e mui principalmente, porque estando ella adjacente, pelos lados do Sul e leste à extincta Villa de S.José, Tambi, Porto das Caixas, Villa de Santo Antonio de Sá e Pirassenunga, o desenvolvimentto do principais deletérios, que occasiona, affecta tanto (ou talvez mais) os habitantes d’esses logares, como os de Magé, que ficão no extremo opposto, onde o pântano não é tão secundado, ou continuado como para estes lados.

Seria muito para desejar, que se tratasse de investigar as causas mais ou menos remotas, próximas e constantes da sucessiva e gradual retenção das águas e elevação  de seu nível, que nellas se nota, de maneira que parece, que seu volume tenha aumengtado progressivamente; este estudo não só traria a explicação do facto extraordinário, posto que geralmente desapapercebido de se acharem hoje submergidos terrenos, que outr’ora, descobertos e enchutos por grande parte do anno offerecião pingues pastagens e abundante productos de lavoura, como forneceria mesmo á hygiene publica muitos conhecimentos de incontestavel utilidade. Mas, pois que um estudo aprofundado de matéria tão transcendente nãoo póde emprehender a minha débil intelligencia, estudo, que essencialmente depende d sólidos princípios de geologia e medicina eu não possuo; passarei ao objecto que me foi incumbido, aventurando todavia algumas conjecturas á respeito.
       
Ilustração e litogravura de M. Bullock para o Theatre-Lyrique de Paris, 3º ato ' La peste du Brésil ' ( 1843)


Estado dos pântanos de Macacú há 70 anos pouco mais ou menos, comparado com o estado presente

 Um fato bem notável,  cujas consequências devião influir na maneira de existir  d’estes pantanos,  e que não forão previstas, teve logar em Santo Antonio de Sá há perto de 80 annos,  e vem a ser : O rio Macacú na altura da fazenda do Riacho dirigindo-se á norueste, internava-se então pelo pântano e costeando os terrenos enchutos do lado da Villa por uma curva de mais de légua de comprimento, vinha receber o Guapiassú pouco abaixo do logar, que depois se chamou armazém, havendo tomado  direção sudoeste passando entre o Sambaquy de cima; e os terrenos, onde annos depois se estabeleceu a olaria dos Fortes.


 N’estas circumstancias a Villa tinha dous portos, um sobre o Casserebú na fazenda dos Nascentes, mais frequentado, por ser mais proximo, e outro mais afastado no logar do Moreira sobre o Macacú.

 Ou para que a Villa possuísse a comodidade de um porto immediato, ou por algum interesse particular, um dos primeiros possuidores da fazenda do Riacho, Domingos Leão , emprehendeu levar este rio á encostar á  Villa; e com effeito com o socorro dos Índios da aldêa de S. José de El-Rey realisou esta empreza, abrindo um canal desde  a sua fazenda por terreno sempre enchuto, onde se enconstou, passando entre os morros do Convento e da Peça, em cuja garganta annos depois se construiu uma forte ponte sobre pegões de pedra, que ainda existem sob ruínas.

Este accontecimento, de cuja veracidade não é lícito duvidar à vista de uma tradicção constante e ainda testemunhal, dos indícios manifestos do antigo leito, e da denominação de – Rio da Valla *, - que ainda hoje conserva esta actual porção de rio, foi seguramente  a principal origem das modificações, porque há tempos coevos têm passado os pântanos, e todos os inconvenientes    , que  se tem seguido.

*Rio da Valla ou Valla do Almeirim  como ficou conhecida ( denominação alusiva ao estuário de mesmo nome -  no antigo Ribatejo, Portugal -, onde eram verificadas as incidências de obstrução do leito e consequente mortandade de peixes.

Outro facto igualmente importante se verificou a respeito do rio dos Morros ou do Matto.

A disposição do terreno em um Valle profundo, flanqueado por cordilheiras, proximamente paralellas, similhantes e equidistantes; a inferioridade de nível do leito d’este rio  a respeito do de Macacú; e a sua direecção quase central por entre o solo mais baixo deste Valle, me induzem a suppôr, que em época ma is remota o Macacú se confundia com este; por outra, que o rio dos Morros não existia, e que o leito primitivo do rio Macacú seguia esta direcção, a mais própria, a meu ver, para a reunião commum de toda as vertentes e águas pluviaes, de que provavelmente elle era o único e final esgoto. A mudança para o estado em que o achou Domingos Leão, de certo preferível ao actual, ter-se-hia operado, ou por algum effeicto natural, como uma grossa alluvião, ou facticiamente, sobre o que existem alguns vestígios e vagas tradicções, como quer que seja, o facto é, que o rio dos Morros, ou do Matto, não há muito tempo a    achando-se sufficientemente limpo e desobstruído, offerecia navegação desde a sua foz no Guapiassú até a Lagôa Morobahy, sendo esta navegação entretida pelos habitantes dos Morros, Rabello, e outros logares; hoje porém acha-se tão obstruido e estagnado, que apenas em grandes enchentes póde dar passagem a uma    leve canôa.

 Outro facto não menos interessante ao meu objecto é o seguinte : - o rio Casserebú, ou a expensas da camara, ou dos fazendeiros, conserv-se quase sempre limpo, principalmente desde a sua barra no Macacú até a fazenda dos Nascentes, que era adjacente á Villa; sendo ahi um porto muito frequentado, por ser mais suave a navegação pelo Casserebú, do que pelo Macacú, cuja velocidade e muito maior, foi ahi qe desembarcarão SS MM. os Srs D. João 6º e Pedro 1º, augustos progenitores do Sr D. Pedro 2º, quando se dignarão visitar   Villa de Santo Antonio de Sá. De então para cá a navegação tem diminuído,as limpezas não se têm renovado, e o rio acha-se ao presente no maior estado de obstrução e estagnação. 

 O rio, ou antes a Lagôa Trimerim, nas visinhanças da Trindade é um pego profundo, coberto de balseiras, que porisso em vêz de dar esgoto   aos brejos e pantanos adjacentes, lhes tornam as aguas estacionarias, com quanto faça  barra no Macacú.

 Finalmente as mattas abundavão nas visinhanças da Villa, tanto nos terrenos enchutos, como nos alagadiços e alagados, nos logares mais altos.
 
    Depois da discripção e exposição das circumstancias pretéritas e presentes dos pantanos de Santo Antonio de Sá, e antes de entrar nos meios de seu dessecamento, aventarei sempre algumas observações sobre o represamento e elevação do nível d’estas águas, arriscando depois algumas conjecturas,á respeito das causas da apparição espantoza e deplorável das febres intermittentes perniciosas n’aquelle município em 1828.



  Alèm do aspecto, que descrevi d’estes valles cobertos de pântanos, a grande quantidade de argilla que existe por quase todo o seu solo, é que deve ter sido o producto da acumulação de lôdo e saibro ,consolidados pela pressão, e ela acção dos phenômenos ígneos, me induz  à  accreditar, que a última camada do leito d’estes pântanos é de uma natureza sedimentaria composta dos depósitos e detrictos conduzidos pelas águas correntes e fluviaes, que destacadas das montanhas e terrenos adjacentes mais elevados pela queda, pressão e atricto das mesmas águas lhe são fornecidos e extendidos pelas torrentes em maior ou menor quantidade, segundo o maior, ou menor volume das águas, e a velocidade de que são animadas; ora    , como esta sedimentação se efectua tanto mais, quanto diminue a acção locomotiva: isto é, á medida que se atenua a velocidade das águas, accredito ainda, não só que o leito d’estes pântanos deve necessariamente ter crescido, e se elevado, como que maior quantia de superfície enchuta devem ter elles coberto. E na verdade, quaes as consequências necessárias da desapparição dos canaes primitivos e naturaes, como o desvio do Macacú, obsrucção completa do dos Morros, etc., sinão o reprezamento, a falta de escôo, e de movimento das aguas d’estes páues, uma vez que  a quantidade das que lhe são fornecidas não pode deixar de ter sido a mesma ? 

Enquanto se operarão pelo correr dos annos todas estas modificações, que têm tornado a existência actual d’estes pântanos tão differente da que tiverão em épocas mais remotas, os habitantes de suas visinhanças ião successivamente sentindo os malignos effeictos da estagnação, ou estacionamento gradual, que as águas pantanosas ião obtendo; de maneira que os factos, e a tradicção nos dizem, que n’aquelles primeiros tempos erão desconhecidos ou desapercebidos, por benignas e insignificantes as febres intermittentes (vulgo maleitas ou sezões), e ainda em nossos dias vimos o municipio de Santo Antonio de Sá populoso e opulento,  e considerado geralmente como um dos logares mais sadios d’esta província, onde os doentes da corte procuravão e obtinhão seu perfeito restabelecimento. O gráu porem de obstrução, a que ião attingindo os páues, sua invasão crescente pelos terrenos enchutos, a progressiva descoberta das mattas, as queimadas repetidas annualmente no tempo das secas, que expunhão o lodo e a putrefacção vegetal, e mesmo animal, dos brejos ao desenvolvimento de miasmas pela acção e presença immediata do sol; e muitas outras causas enfim, que não estão ao meu alcance de assignar, tornarão cada vez mais frequente a apparição das inermittentes, mais ou menos malignas; de sorte que com o correr dos annos tal mudança, a meu ver, se operou na naturesa do clima, que em 1828 ( na minha opinião as causas immediatas de tal acontecimento forão, entre outras que ignoro, as que abaixo exponho ) houve uma espécie de explosão tão terrível de febres perniciosas, que, como é sabido, raras pessoa deixarão de ser feridas,  e rara era aquella, que não sucumbia em poucos ...dias.

   quadro de Paulo Nunes/2000, que encontra-se jogado no chão da Casa de Cultura Heloísa Alberto Torres  2015



Grande sêca havia preccedido á verdadeira calamidade publica, e, ou por acaso, ou pela nociva rotina dos lavradores, grandes queimadas apareccerão; por toda a parte sentia-se  voragem dos fogos, os pântanos em grande parte secos, achavão-se descobertos; em fim o fumo produzido em tal quantidade, que a athmosphera, grandemente  d’elle saturada, movia-se em extensas e espessas nuvens, occultando por toda a parte a presença do sol. Não deve esquecer também a obra do aterrado de Tipotá teve então principio, effectuando-se  excavação de uma valla da extensão de 800 braças com as dimensões, que se destinavão à receber o rio Cassarebú e por conseguinte o producto d’essa excavação achava-se exposto à acção athmospherica, e nas visinhanças da Villa.

 A’ vista do que  tenho expendido, e de outros dados que tenho ds circumstancias dos referidos pântanos, estou inteiramente convencido de que todo o systema de dessecamento à se adoptar, que não tiver por base a aproximação possível das circumstancias e que existirão os mesmos pântanos, addicionando-se-lhe convenientemente os melhoramentos que actualmente  se tornão necessários, será inútil e improfícuo; e n’esta persuação indico e proponho:
- Que o rio Macacú seja reconduzido ao seu antigo leito na parte em que corria entre o pântano, e d’onde desviou Domingos Leão;
- Que este rio seja retificado por cortes, quanto se possa, desde as cachoeiras até  a extincta Villa nova de S. José, e que se lhe encanem por sarjetas todos os brejos ou lagoas de sua margem esquerda, quer isoladas , que contiguas.
- Que o rio dos morros seja inteiramente limpo, desobstruído e canalisado por uma valla navegável desde o Rabello até  a Trindade, onde terminará na lagoa Treimirim; conduzindo-e á  esta valla pelos convenientes ramaes todas as aguas dos brejos e lagoas, que existirem lateralmente não contiguas.
- Que em frente, e na direcção da foz d’este rio, se abra igual valla em direcção o rio Guarahy nos mangues, onde terminará; praticando-se  communicação d’esta valla com os riachos existente entre o Guapimerim e o Macacú, por meio de ramaes transversaes.
- Que o rio Guapissú seja encanado par o Guapimerim abaixo de Pirassenunga.
- Que o Cassarebú seja levado em uma linha recta desde a volta da Figueira na fazenda de Joaquim Ferreira Lemos te logo abaixo do Sambaquy grande, dando-se-lhe d’est’arte outra foz no Macacú;  que parte de suas águas sejão desviadas para o rio Porto das Caixas, praticando-se uma valla com comporta no Tipotá; e que d’esse logar para cima até a fazenda do Ledo todos os brejos e lagoas lateraes se lhe encanem por convenientes sargetas.
- Finalmente, e em geral, que todos os brejos, lagoas e alagadiços, sejam sarjados e ccommunicados aos rios e vallas, de que forem mais visinhos, conservando-se estes esgotos em perfeita limpeza.


Nictheroy, 8 de janeiro de 1846.-  Felício Fortes de Bustamante  Sá, chefe do 7º districto.         


Alberto Santos (pesquisador)
       Badureco, Itaboraí, RJ, 27 de dezembro de 2015













    
















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