O Delegado Federal made in
Paraguay e seu boné de vigilante
Com a brisa que vinha da praia , estirado na
rede e saboreando um bom vinho , ao som de "Lago azul de Pacarahy", admirava as
beldades que transitavam pela rua José de Pontes, em Caucaia, Ceará : esta era
a minha vidinha boa de turista recém-chegado. Sabia o horário de cada uma delas: da que ia ao culto, da delicinha que ia ao treino do taekendo, da que buscava o irmão na creche... Era bom demais para ser verdade e
muito suspeito para perdurar por mais tempo.
Quando criança, lá pelos 7 de idade, fora
inoculado por um vírus , contra o qual não havia (e ainda não há) antídoto.
Tratava-se de uma variação agressiva originária de um surto endêmico ocorrido
em 1848 : era o vírus de Marx/Engels, resistente e renitente. Reaparecera 111
anos mais tarde através de um agente patogênico conhecido como CHE, o Guevara.
Cresci acompanhando sua trajetória revolucionária,
colecionando desde recortes de jornais
os quais colava nas portas de meu guarda-roupas, juntamente com as fotos de
Dida e Garrincha, do escudo do Flamengo e uma flâmula da Portela. Imaginava
crescer e poder cultivar uma barba igual a sua. Era meu ícone, meu ídolo, meu
herói, já aos 7 anos de idade. Isto, um ano antes de deixar de ser um ‘cristão’
praticante.
Estava em pleno ano de 2007, e já estava
cansado de ver o ideário pelo qual tanto lutei ser jogado na lata do lixo da
História, por conta de desvios à direita. Isto me causava uma enorme
frustração.
Achei que poderia ir mesmo contra minha
própria natureza, abandonar a luta e gozar dos prazeres da vida. Bem que
tentei, mas o ensaio durou apenas três meses.
Enquanto consumia meu vinho e admirava as
mulheres, fui me dando conta que um outro espetáculo se tornaria parte da minha
rotina: contrastando com a beleza feminina, circulava diariamente em minha rua,
e de mãos dadas, miséria e corrupção, rumo ao hospital público. Era um
espetáculo deprimente.
Não tardou para que eu aposentasse minha
bermuda colorida de “garoto eu vou pra Califórnia...” e me reengajasse no
ativismo militante. Quando me vi, em menos de um mês, ‘estava Relator’ de uma
Conferencia de Saúde, no CEFE da Praia
do Icaraí, diante de 600 delegados, de dedo em riste denunciando o Secretário
de saúde, um velho proxeneta que enriquecera às custas do sucateamento da saúde
pública e da doença do povo. Julho de 2007 e esse era eu, inoculado e febril !
O segundo passo seria rastrear o desvio das
verbas públicas e seus responsáveis.
Assim, todas as manhãs ia até o trailer da
pracinha, em frente à Câmara de Venéreança, tomar apontamentos, observar as
articulações, a movimentação do entra-e-sai nos corredores do submundo da
política. Sempre na companhia da inseparável latinha de Antarctica gelada.
Logo descobri um artifício, uma artimanha do
Executivo Municipal para ampliar seu prestígio, fazer caixa-extra(o 2) e
fortalecer sua nominata pré-eleitoral: consistia em fazer com que alguns dos
venéreadores sobre seu jugo entrassem em licença remunerada dois dias antes do
recesso parlamentar. Assim os suplentes assumiriam, adquirindo status de
titular, salários, duodécimos e verbas de representação em plenas férias, sem
trabalhar. Uma calhordice ! Saíam pelos bairros inaugurando obras inacabadas,
numa clara afronta às normas da legislação eleitoral. Com isto as despesas da
Câmara aumentavam em um terço exatamente nos meses em que não funcionava.
Não prestou! Na volta do recesso, início de
agosto, preparei um requerimento de informações e comecei a perturbar, cobrando
respostas. Naqueles dias, a Câmara havia alocado como assessor especial, um
delegado federal, cuja finalidade era manter no cabresto, rédea curta, os 14
venéreos do legislativo, em sessões extraordinárias na calada da noite. E foi
ele que por quinze dias tentou me cozinhar com respostas evasivas. Até que me
emp...ci e reencaminhei a consulta à mesa do Promotor do MP (Mui Digno Dr.
Eloílson Landim), que acolheu a representação, prometendo ir fundo. E foi!
Tres meses após a denúncia feita sobre os
proventos pagos de forma imoral e ilegítima, o MP constatou outras tantas
irregularidades. A denúncia inicial foi útil , mas era apenas o rabicho de uma
falcatrua maior que gerou um processo investigatório de um esquema milionário
com locação de veículos. Em 9 de dezembro o Tribunal de Justiça batia o martelo,
afastando os 14 venéreadores de seus mandatos. Esta é uma história longa, de
cassação de mandatos, liminares de recondução, impugnação de candidaturas
....que durou 5 anos até que em 2012, com a Lei da Ficha Limpa os 14 párias se
tornaram inelegíveis.
este pulha PCdoB teve participação no planejamento dos atentados
Desde o início eu já era ‘persona non grata’
na cidade, vigiado dia e noite. A primeira abordagem foi através do GTA, grupo
tático da PM cearense. Sábado, 10 da manhã, estava eu sentadinho, bebericando
minha Antarctica quando duas viaturas do GTA, em uma operação típica de tropa
de elite, invadiram a pracinha. Saltaram uns seis meganhas fortemente armados,
cercaram minha mesa e me mandaram levantar para uma revista, alegando busca de
armas. Ainda perguntei, porque só eu? E
os outros frequentadores? A intenção era na verdade me identificar, saber
exatamente quem era aquele ‘forasteiro’ abusado que se imiscuía nos negócios do
patrão,- o deputado escroto Zé Gerardo! Naquele momento senti uma saudade
imensa da Bahia.*
*(Um ano antes residira na cidade de Valença,
e era de costume a viatura do bairro revistar todo cidadão que estivesse na rua
após a zero hora. Como eu só retornava da Lan house uma da madrugada, era alvo
de constantes revistas. Até o dia em que me aborreci e passei a tesoura
arrancando os bolsos de minhas bermudas. Dito e feito. Fui parado para a
revista e o PM baiano, um negão 3 por 4, enfiou a mão em meu bolso. Foi tudo,
mão e braço no vazio do bolso, e o negão apalpando o ‘ meu Zezé, a cabeleira do
Zezé e o saco de dormir’. Nunca mais fui parado na rua. )
Depois dessa revista mais que suspeita e
direcionada, percebi que era acampanado por dois elementos que passavam horas
no trailer consumindo uma única garrafa de coca-cola: era sintomático ! Não
demorou muito para sofrer dois atentados: uma perseguição automobilística no
Cocó, da qual escapei graças a uma bandalha na pista e uma outra mais
contundente, uma simulação de acidente com ‘atropelamento programado’.
Neste último fora avisado com
antecedência por um amigo, enfronhado na política local e uma outra informação
mais detalhada vinda de uma figura meio sinistra que encontrava-se na cidade
dizendo-se a serviço da ‘ABIN’(???). Dizia que estava rastreando um poderoso
esquema de roubo de cargas envolvendo políticos e empresários do ramo de
supermercados. Se apresentara com o nome de Arakén somente: Quanto a mim,
segundo ele, tratava-se da articulação de um venéreador do PCdoB e de um
deputado do PMDB, com o fito de minha eliminação física. Para a execução do
“serviço” um grupo de extermínio ligado ao primeiro, denominado “PACOTE DO SAL”.
Pela obra concluída seriam pagos 40 mil reais. Foi programado para às vésperas
do aniversário da cidade. Segundo o informante, já estava sendo organizado um
churrasco ‘comemorativo’ na localidade conhecida como Garrote. Com um detalhe:
o serviço não poderia ser executado nos padrões convencionais. Teria que
parecer um acidente, por isto o atropelamento. E acabaram atropelando... o cara
errado e não eu, para minha sorte. E eu explico porque.
Naquele tempo, me utilizava dos serviços de um
motoboy, que me conduzia para fazer ‘diligencias’, fuçar a podridão .
Chamava-se Junior, o ‘Pantera’. Ele ficava empolgado com minhas histórias e
escaramuças. Fazia questão de me conduzir a qualquer canto, em qualquer horário
do dia ou da noite. Acho que ele se achava um super-herói em prol da causa. E foi,
pois correu muitos riscos, era corajoso. Bastava eu me sentir ameaçado, que
bastava ligar para o Pantera: em 5 minutos o paladino da justiça chegava em sua
Honda 125 para me resgatar. Cobrava só 3 reais, mas eu pagava 10. Merecia! Mas
ele tinha um grave defeito, o qual eu soube explorar muito bem: ele tinha uma
língua de trapo. Quando eu queria disseminar alguma notícia relevante ou
disparar algum balão-de-ensaio, chegava para ele e dizia...”Pantera é em off,
só entre nós”. Em pouco tempo a coisa já era de domínio público.
Aquela atmosfera de completa submissão do
povo, o medo com que as pessoas falavam sobre as coisas da Prefeitura foram me
enervando. Fui ficando abusado, não respeitava mais os protocolos de segurança.
Se era órgão público, eu não queria nem saber. Metia a mão na maçaneta e ia
entrando sem pedir licença. Devido ao meu destemor e ousadia, corria um boato
na cidade de que eu era um ‘federal’. Não confirmei nem desmenti... era
conveniente.
Foi quando conheci uma figura fantástica. Um
policial civil, que de tanto ouvir falar de mim se tornou meu fã(e eu dele).
Era educadíssimo. Adorava um Campari e era um finess. Dividia seus horários
entre o plantão policial e as aulas que ministrava na faculdade. A semelhança
era tal que mais parecia ser gêmeo univitelino do Lulu Santos. Dizia para mim:
qualquer problema, tamos aí.
Onde me via parava a viatura no meio do
transito para cumprimentar. Não sei se por desinformação(ou informação
truncada), ou até mesmo por pura sacanagem passou a me chamar de ‘Doutor’. E o
Pantera ouviu. Taquiopariu ! A coisa se espalhou como rastilho de pólvora.
Quando cheguei na papelaria a menina virou e
disse: o doutor vai querer as cópias frente e verso? No Fórum passei a ter
transito livre para fazer vistas nos processos e tirar cópias. Ainda sobrava
tempo para paquerar Joelma, uma bela serventuária da Justiça. Lá do mercado, o
peixeiro (o Jorge) gritava, do outro lado da rua: Doutor, guardei uma curimatã
ovada fresquinha pro senhor ! Minha casa passou a ser frequentada pelos desassistidos.
O Pantera por conta própria, levava pessoas em busca de orientação por seus
direitos. Minha casa virou um CDH, uma ONG . A coisa se espalhou de um jeito
tal que não dava mais para desfazer. Fui promovido pelo clamor popular: eu já
era Doutor, embora aposentado.
Se me faltava um crachá ou credencial para
legitimar o meu novo status, um amigo da SEFIN- o Wolgan, resolveu o problema
me dando de presente um boné da DRT/MTb. Era preto e nas laterais os dizeres
‘Poder Judiciário’ no outro a bandeira brasileira escrito 'JUSTIÇA', e ao centro o ‘brasão da
República’. Era um simples boné de vigilante, mas em terra de cego, quem tem um
olho ...
Aquele boné valia ouro. Por um lado causava a
falsa impressão de meu vínculo com o Judiciário e por outro legitimava o boato
elevando-o ao status de ‘verdade’. Só tirava o boné na hora de dormir.
Que rebuliço não causaria o assassinato de um
graduado agente da lei? Imaginar a chegada dos homens de preto para investigar
um crime desta magnitude seria deveras inconveniente.
Creio que este foi o motivo maior para que o
grupo político ao tramar por minha eliminação física optasse pelo sinistro com
características de acidente e não o de uma execução.
Assim sobrevivi para contar esta historieta de
como me tornei um Genérico de Delegado . Um legítimo Delegado Federal made in
Paraguay, com seu boné de vigilante, que admirava a beleza das mocinhas e bebia
vinho ao som do Lago Azul de Pacarahy, completamente contaminado pelo vírus
revolucionário do Socialismo Científico.
Viva Marx! Viva Engels! Viva Che !
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