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quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

O Delegado Federal made in Paraguay e seu boné de vigilante




O Delegado Federal made in Paraguay e seu boné de vigilante
 
 

 Com a brisa que vinha da praia , estirado na rede e saboreando um bom vinho , ao som de "Lago azul de Pacarahy", admirava as beldades que transitavam pela rua José de Pontes, em Caucaia, Ceará : esta era a minha vidinha boa de turista recém-chegado. Sabia o horário de cada uma delas: da que ia ao culto, da delicinha que ia ao treino do taekendo,   da que buscava o irmão na creche... Era bom demais para ser verdade e muito suspeito para perdurar por mais tempo.

 

 Quando criança, lá pelos 7 de idade, fora inoculado por um vírus , contra o qual não havia (e ainda não há) antídoto. Tratava-se de uma variação agressiva originária de um surto endêmico ocorrido em 1848 : era o vírus de Marx/Engels, resistente e renitente. Reaparecera 111 anos mais tarde através de um agente patogênico conhecido como CHE, o Guevara.

 Cresci acompanhando sua trajetória revolucionária, colecionando desde  recortes de jornais os quais colava nas portas de meu guarda-roupas, juntamente com as fotos de Dida e Garrincha, do escudo do Flamengo e uma flâmula da Portela. Imaginava crescer e poder cultivar uma barba igual a sua. Era meu ícone, meu ídolo, meu herói, já aos 7 anos de idade. Isto, um ano antes de deixar de ser um ‘cristão’ praticante.

 Estava em pleno ano de 2007, e já estava cansado de ver o ideário pelo qual tanto lutei ser jogado na lata do lixo da História, por conta de desvios à direita. Isto me causava uma enorme frustração.

 Achei que poderia ir mesmo contra minha própria natureza, abandonar a luta e gozar dos prazeres da vida. Bem que tentei, mas o ensaio durou apenas três meses.

 Enquanto consumia meu vinho e admirava as mulheres, fui me dando conta que um outro espetáculo se tornaria parte da minha rotina: contrastando com a beleza feminina, circulava diariamente em minha rua, e de mãos dadas, miséria e corrupção, rumo ao hospital público. Era um espetáculo deprimente.

 Não tardou para que eu aposentasse minha bermuda colorida de “garoto eu vou pra Califórnia...” e me reengajasse no ativismo militante. Quando me vi, em menos de um mês, ‘estava Relator’ de uma Conferencia de Saúde,  no CEFE da Praia do Icaraí, diante de 600 delegados, de dedo em riste denunciando o Secretário de saúde, um velho proxeneta que enriquecera às custas do sucateamento da saúde pública e da doença do povo. Julho de 2007 e esse era eu, inoculado e febril !

 O segundo passo seria rastrear o desvio das verbas públicas e seus responsáveis.

 Assim, todas as manhãs ia até o trailer da pracinha, em frente à Câmara de Venéreança, tomar apontamentos, observar as articulações, a movimentação do entra-e-sai nos corredores do submundo da política. Sempre na companhia da inseparável latinha de Antarctica gelada.

 Logo descobri um artifício, uma artimanha do Executivo Municipal para ampliar seu prestígio, fazer caixa-extra(o 2) e fortalecer sua nominata pré-eleitoral: consistia em fazer com que alguns dos venéreadores sobre seu jugo entrassem em licença remunerada dois dias antes do recesso parlamentar. Assim os suplentes assumiriam, adquirindo status de titular, salários, duodécimos e verbas de representação em plenas férias, sem trabalhar. Uma calhordice ! Saíam pelos bairros inaugurando obras inacabadas, numa clara afronta às normas da legislação eleitoral. Com isto as despesas da Câmara aumentavam em um terço exatamente nos meses em que não funcionava.

 Não prestou! Na volta do recesso, início de agosto, preparei um requerimento de informações e comecei a perturbar, cobrando respostas. Naqueles dias, a Câmara havia alocado como assessor especial, um delegado federal, cuja finalidade era manter no cabresto, rédea curta, os 14 venéreos do legislativo, em sessões extraordinárias na calada da noite. E foi ele que por quinze dias tentou me cozinhar com respostas evasivas. Até que me emp...ci e reencaminhei a consulta à mesa do Promotor do MP (Mui Digno Dr. Eloílson Landim), que acolheu a representação, prometendo ir fundo. E foi!

 Tres meses após a denúncia feita sobre os proventos pagos de forma imoral e ilegítima, o MP constatou outras tantas irregularidades. A denúncia inicial foi útil , mas era apenas o rabicho de uma falcatrua maior que gerou um processo investigatório de um esquema milionário com locação de veículos. Em 9 de dezembro o Tribunal de Justiça batia o martelo, afastando os 14 venéreadores de seus mandatos. Esta é uma história longa, de cassação de mandatos, liminares de recondução, impugnação de candidaturas ....que durou 5 anos até que em 2012, com a Lei da Ficha Limpa os 14 párias se tornaram inelegíveis.
 
este pulha PCdoB  teve participação no planejamento dos atentados
 


 Desde o início eu já era ‘persona non grata’ na cidade, vigiado dia e noite. A primeira abordagem foi através do GTA, grupo tático da PM cearense. Sábado, 10 da manhã, estava eu sentadinho, bebericando minha Antarctica quando duas viaturas do GTA, em uma operação típica de tropa de elite, invadiram a pracinha. Saltaram uns seis meganhas fortemente armados, cercaram minha mesa e me mandaram levantar para uma revista, alegando busca de armas. Ainda perguntei, porque só eu?  E os outros frequentadores? A intenção era na verdade me identificar, saber exatamente quem era aquele ‘forasteiro’ abusado que se imiscuía nos negócios do patrão,- o deputado escroto Zé Gerardo! Naquele momento senti uma saudade imensa da Bahia.*

 *(Um ano antes residira na cidade de Valença, e era de costume a viatura do bairro revistar todo cidadão que estivesse na rua após a zero hora. Como eu só retornava da Lan house uma da madrugada, era alvo de constantes revistas. Até o dia em que me aborreci e passei a tesoura arrancando os bolsos de minhas bermudas. Dito e feito. Fui parado para a revista e o PM baiano, um negão 3 por 4, enfiou a mão em meu bolso. Foi tudo, mão e braço no vazio do bolso, e o negão apalpando o ‘ meu Zezé, a cabeleira do Zezé e o saco de dormir’. Nunca mais fui parado na rua. )

 Depois dessa revista mais que suspeita e direcionada, percebi que era acampanado por dois elementos que passavam horas no trailer consumindo uma única garrafa de coca-cola: era sintomático ! Não demorou muito para sofrer dois atentados: uma perseguição automobilística no Cocó, da qual escapei graças a uma bandalha na pista e uma outra mais contundente, uma simulação de acidente com ‘atropelamento programado’.

Neste último fora avisado com antecedência por um amigo, enfronhado na política local e uma outra informação mais detalhada vinda de uma figura meio sinistra que encontrava-se na cidade dizendo-se a serviço da ‘ABIN’(???). Dizia que estava rastreando um poderoso esquema de roubo de cargas envolvendo políticos e empresários do ramo de supermercados. Se apresentara com o nome de Arakén somente: Quanto a mim, segundo ele, tratava-se da articulação de um venéreador do PCdoB e de um deputado do PMDB, com o fito de minha eliminação física. Para a execução do “serviço” um grupo de extermínio ligado ao primeiro, denominado “PACOTE DO SAL”. Pela obra concluída seriam pagos 40 mil reais. Foi programado para às vésperas do aniversário da cidade. Segundo o informante, já estava sendo organizado um churrasco ‘comemorativo’ na localidade conhecida como Garrote. Com um detalhe: o serviço não poderia ser executado nos padrões convencionais. Teria que parecer um acidente, por isto o atropelamento. E acabaram atropelando... o cara errado e não eu, para minha sorte. E eu explico porque.

 Naquele tempo, me utilizava dos serviços de um motoboy, que me conduzia para fazer ‘diligencias’, fuçar a podridão . Chamava-se Junior, o ‘Pantera’. Ele ficava empolgado com minhas histórias e escaramuças. Fazia questão de me conduzir a qualquer canto, em qualquer horário do dia ou da noite. Acho que ele se achava um super-herói em prol da causa. E foi, pois correu muitos riscos, era corajoso. Bastava eu me sentir ameaçado, que bastava ligar para o Pantera: em 5 minutos o paladino da justiça chegava em sua Honda 125 para me resgatar. Cobrava só 3 reais, mas eu pagava 10. Merecia! Mas ele tinha um grave defeito, o qual eu soube explorar muito bem: ele tinha uma língua de trapo. Quando eu queria disseminar alguma notícia relevante ou disparar algum balão-de-ensaio, chegava para ele e dizia...”Pantera é em off, só entre nós”. Em pouco tempo a coisa já era de domínio público.

 Aquela atmosfera de completa submissão do povo, o medo com que as pessoas falavam sobre as coisas da Prefeitura foram me enervando. Fui ficando abusado, não respeitava mais os protocolos de segurança. Se era órgão público, eu não queria nem saber. Metia a mão na maçaneta e ia entrando sem pedir licença. Devido ao meu destemor e ousadia, corria um boato na cidade de que eu era um ‘federal’. Não confirmei nem desmenti... era conveniente.

 Foi quando conheci uma figura fantástica. Um policial civil, que de tanto ouvir falar de mim se tornou meu fã(e eu dele). Era educadíssimo. Adorava um Campari e era um finess. Dividia seus horários entre o plantão policial e as aulas que ministrava na faculdade. A semelhança era tal que mais parecia ser gêmeo univitelino do Lulu Santos. Dizia para mim: qualquer problema, tamos aí.

 Onde me via parava a viatura no meio do transito para cumprimentar. Não sei se por desinformação(ou informação truncada), ou até mesmo por pura sacanagem passou a me chamar de ‘Doutor’. E o Pantera ouviu. Taquiopariu ! A coisa se espalhou como rastilho de pólvora.

 Quando cheguei na papelaria a menina virou e disse: o doutor vai querer as cópias frente e verso? No Fórum passei a ter transito livre para fazer vistas nos processos e tirar cópias. Ainda sobrava tempo para paquerar Joelma, uma bela serventuária da Justiça. Lá do mercado, o peixeiro (o Jorge) gritava, do outro lado da rua: Doutor, guardei uma curimatã ovada fresquinha pro senhor ! Minha casa passou a ser frequentada pelos desassistidos. O Pantera por conta própria, levava pessoas em busca de orientação por seus direitos. Minha casa virou um CDH, uma ONG . A coisa se espalhou de um jeito tal que não dava mais para desfazer. Fui promovido pelo clamor popular: eu já era Doutor, embora aposentado.
Se me faltava um crachá ou credencial para legitimar o meu novo status, um amigo da SEFIN- o Wolgan, resolveu o problema me dando de presente um boné da DRT/MTb. Era preto e nas laterais os dizeres ‘Poder Judiciário’ no outro a bandeira brasileira escrito 'JUSTIÇA', e ao centro o ‘brasão da República’. Era um simples boné de vigilante, mas em terra de cego, quem tem um olho ...
                                       o boné do "Delegado"

 Aquele boné valia ouro. Por um lado causava a falsa impressão de meu vínculo com o Judiciário e por outro legitimava o boato elevando-o ao status de ‘verdade’. Só tirava o boné na hora de dormir.
No buteco onde eu frequentava, o bar do seu Zé Américo,- point da política local, havia um dos frequentadores eu de fato era agente federal inativo, - o Ferreirinha, com quem eu trocava papos de igual para igual, como se fossemos colegas de corporação. Tomavamos nossa cervejinha, discutíamos sobre segurança pública, e ele jamais me pergutou detalhes de minha "vida funcional". Era muito boa praça esse Ferreirinha.

 Que rebuliço não causaria o assassinato de um graduado agente da lei? Imaginar a chegada dos homens de preto para investigar um crime desta magnitude seria deveras inconveniente.

 Creio que este foi o motivo maior para que o grupo político ao tramar por minha eliminação física optasse pelo sinistro com características de acidente e não o de uma execução.

 Assim sobrevivi para contar esta historieta de como me tornei um Genérico de Delegado . Um legítimo Delegado Federal made in Paraguay, com seu boné de vigilante, que admirava a beleza das mocinhas e bebia vinho ao som do Lago Azul de Pacarahy, completamente contaminado pelo vírus revolucionário do Socialismo Científico.

 Viva Marx! Viva Engels! Viva Che !

 
 

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