Padre Hugo de Itaborahy:
educação, política e futebol
Recentemente me avistei com uma antiga professora da cidade, Dona Wilca. Após uma hora de reminiscências sobre Itamby, pedi-lhe para rememorar como eram os festejos de São João na velha Iaborahy. Me contou em detalhes sobre todos os preparativos da festa, as quermesses, sobre a doceira da festa, das barracas, o cortejo da procissão, o leilão. Reproduziu fielmente tudo que viu e viveu nos idos de 1955, quando ainda tinha 22 anos. Citou ainda o nome de Adail Bento, que havia restaurado a Igreja Matriz.
Foi quando perguntei-lhe sobre o
vigário à época. Eu já tinha seu nome em meus arquivos fazia um bom tempo mas o
havia guardado para um momento mais oportuno. Porém , diante de um depoimento
de quem o conheceu e com juízo de valor bem
definido , decido-me a escrever algumas poucas linhas sobre a trajetória desse padre
na região.
Segundo a professora Wilca S. Ferreira, padre Hugo possuía uma
personalidade muito forte e considerado muito polemico. A velha Itaborahy,
provinciana, demoraria a se acostumar com um padre que chegara à cidade montado
em uma moto e que não se curvaria ante os gostos da oligarquia local.
Embora muito popular, não foi uma unanimidade, principalmente quanto às reformas na estrutura física das igrejas , que segundo os estudiosos, as descaracterizou ( em particular , a Igreja Matriz de São João Baptista e a de São Barnabé).
Não tardou para que este novo
vigário implacasse seu próprio estilo junto à tradicional paróquia.
Padre Hugo Montedonio Rego,
natural de Minas Gerais . Formou-se em Congonhas e cursou
Filosofia na Holanda com padres redentoristas. Extremamente culto, conhecera a
Europa e contava em seu currículo uma viagem automobilística entre o Brasil e
os EUA, conduzindo um padre cego para um transplante de córneas.
Foi nomeado pároco de Itaboraí no
ano de 1947.
Para além do sacerdócio , padre Hugo do Rego, foi um fervoroso e incansável
combatente da causa educacional. Criou e dirigiu um educandário, o Pio XI, e
eleito várias vezes para compor a CNEG- Campanha Nacional de Educandários
Gratuitos (atual CNEC).
Já em 1943, Padre Hugo havia
criado uma mantenedora- a Sociedade dos Educandarios de Cantagalo, com o fito
de garantir o funcionamento de um colégio, o Ginásio Euclydes da Cunha.
Em Itaboraí não foi diferente. Dedicou-se com afinco na criação
do Ginásio Alberto Torres, que a princípio, funcionava apenas à noite
utilizando salas cedidas pelo governo estadual, no vizinho Grupo Escolar
Visconde de Itaborai. A campanha de doações empreendida por Padre Hugo , bem recebida
pela comunidade , atingiu a cifra de 50.000 cruzeiros, e então foi lançada a pedra fundamental do
prédio próprio em setembro de 1949.
E assim , em 18 abril de 1951,
surgia o atual CAT- Colégio Alberto Torres, que em seis décadas tornou-se
referencia educacional na região, com altos índices de aprovação em
vestibulares públicos.
Se sua atuação na área da
educação era bemquista, não se pode dizer o mesmo na esfera da “ boa política ”,
a da submissão à classe política. Padre Hugo ousou desafiar um dos chefes da política local, nada
menos que o Secretario de Segurança Pública do Estado, Leal Junior, ao
recusar-se a aceitá-lo com padrinho de batismo de uma criança. Tornou-se seu desafeto.
Na ocasião, respondeu ao
desembargador, de forma taxativa : “ "o senhor sabe muito bem que a lei canônica
impede que maçons participem diretamente de atos católicos....só o aceitarei
como padrinho caso o senhor renegue a Maçonaria.”
A ira dos Leal aumentou, quando a
esposa de Leal, dona Margarida, teve recusado um outro pedido de “prioridade”
em batismo. Não tardaram as retaliações.
Em setembro de 1954, a paróquia
foi alvo de atentado à bala, fato atribuído aos queremistas chefiados por João
Augusto de Andrade (irmão de Margarida Leal), e derrotado nas eleições.
Padre Hugo do Rego teve atuação
marcante não só em Itaborai, mas também na hoje vizinha Tanguá e em Rio Bonito. Sua
capacidade de articular doações de recursos e terrenos para a construção de
escolas da antiga CNEG foram sem dúvida sua marca registrada.
Mas o fato mais inusitado de sua
passagem pela cidade deva-se talvez à sua paixão pelo futebol, pelo Flamengo e
sua genialidade em usar o
esporte bretão em favor da paróquia.
Pe Hugo do Rego, o polemico padre flamenguista
Para enfrentar as crescentes
necessidades materiais da paróquia criou um jeito inovador e legítimo de
angariar finanças. Em 1954, adquiriu uma TV e a instalou na sala de reuniões da
igreja , franqueando o acesso às transmissões dos jogos mediante o pagamento
de 5 cruzeiros por pessoa.
Logo viria sofrer uma campanha
infame contra sua pessoa. O jornal que apoiava a família Leal estampava em suas
páginas que “a TV funcionava na nave da igreja, que os espectadores depositavam
seus chapéus por sobre as imagens, que havia falta de respeito e palavra de
baixo calão no recinto”. Era 1954, ano extremado pelas disputas eleitorais.
Padre Hugo defendia-se : “ Estou certo
(as arrecadações do meu Maracanãzinho
atestam) de que a população católica de Itaboraí, encontrou na minha
ideia, o meio compensador e suave de contribuir financeiramente para as obras
da paróquia”.
E exaltava o sentido educativo
das sessões de futebol pela televisão: “ ... teenho a impresso eu em volta de
meu aparelho, estou formando e apurando o sentimento do verdadeiro torcedor que
na generalidade descamba par o excesso, para as inconveniencias.... O peso do
ambiente espiritual, em que se concentram os espectadores influi positivamente,
anulando as explosões do homem apaixonado.” E continua ... “ De tal maneira
que, disso me orgulho: meu público é o único no Brasil que assiste a um Fla-Flu
sem soltar um palavrão”.
E informava orgulhoso: a
arrecadação varia muito em função dos clubes, às vezes menos, quando o jogo é ,
por exemplo entre América e Bangu... “
Mas quando é o meu Flamengo chego a
arrecadar aos domingos até 600 cruzeiros ”( um público de 120 paroquianos)
* (neste ano de 54, uma arquibancada no Maracanã custava 17 cruzeiros e o ingresso de geral 5 )
Padre Hugo entregando o Fogo Simbólico a Celio Barroso,
aluno do CAT, 31/08/1959
Era comum que Padre Hugo organizasse
eventos culturais e esportivos, como a Corrida cívica e 50 kms entre Itaboraí e
Cachoeiras de Macacu, em 1959.
O último registro de Padre Hugo que encontrei, continuava a frente do Educandário Pio XII, no ano de 1964.
As ter lágrimas - Antônio Campos Negreiro
Pedre Hugo era simplesmente fantástico!
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