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segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Conheccendo o rio Macacú a partir de sua barra -- parte I




Relato de um correspondente de jornal, em sua viagem ao teatro de operações onde se deram os confrontos durante a Revolta da Armada, 1893. Como guia,  acompanhou-o na viagem o experiente conhecedor do mangue fluminense, o caçador inglês Hugo Steele


“ .... Às doze horas do dia saltamos na Estação de  Villa-Nova.

          Tinhamos convencionado  que  antes de descer  o rio Macacú até o porto da Paciencia, na foz que desagua na baía de Guanabara, o subiriamos até o Alto da Mangueira onde, dizem os navegadores fluviaes, tem os revoltosos chegado.
          Este ponto fica aproximadamente meia légua acima de Villa-Nova.
          A viagem dos revoltosos até ali eram com o fim de esperar as embarcações que desciam carregadas de gêneros , lá do centros, Porto das Caixas, Sant’Anna, etc... para comprarem.
          Encomendavam mesmo os gêneros de eu precisavam e iam recebe-los naquelas alturas. No alto da Mangueira há uma casa onde se acoitaram-se.
         - Este rio Macacú – explicou-me Steele, teve noutro tempo má fama. Dizem que no reinado de D. Pedro I, uma cabilda de piratas infestava as suas águas, assaltando os barcos que por ellas desciam ao mercado do Rio de Janeiro.


          É corrente por aqui que elles faziam ponto casa que se vê no alto da Mangueira....
          O lado direito do rio estende-se numa planície extensa e chata, cheia de banhados e paues pontuados de árvores de mangue e coqueiros de juncaes flexíveis.
          O rio bifurca-se. Para este lado desce um braço: Guarahy-grande – ao rumo de sudoeste, enquanto que o Macacú orienta-se para o sul.




          Os revoltosos, receosos de serem atacados, quando descem com seus barcos carregados, navegam pelo Guarhy-grande e podem ou desembarcar perto de Magé ou atravessar para o Macacú, abaixo da Villa-Nova, por canaes radiáveis que existem nos banhados.
          Para isto, porém, é preciso um prático que já tenha transitado por aqueles mangues atoladiços e perigosos.
          O Guarahy-Grande, tomando o rumo do sul, segue quase um paralelo a seu vizinho, eu pelo outro lado é acompanhado, em distancia de quatro ou cinco kilometros pelo Guaxindiba.




          Se, para subir, a viagem é demorada por via da violência da correnteza, esta auxilia prodigiosamente  descida.
          Fazia sol quente de zunir nos ouvidos, quando passamos na barra do Riacho da Passagem, pouco distante de Villa-Nova.
         Este riacho é navegável e liga-se com Guarahy.
         É o porto de atracação dos barcos com destino `a Villa-Nova.
         Pouco abaixo, do mesmo lado direito desemboca no Macacú o Gurgury.
         Todo terreno é alagadiço, restingado com manguinhos cinzentos de folhagem verde-negra, moitas de piriri e tiririca, toceiras de ubá, tabibuia, quase tudo da mesma altura, alastrano-se numa uniformidade monótona e insuportável.
         O Gurgury, como todos os igarapés formados pelas águas do pântano, é navegável por um percurso kilométrico.
         Defronte à sua barra deságua a Valla da Caieira, que atravessa a linha férrea, e é vadiável até um olaria que há próximo à Estrada de Ferro Leopoldina.
         Quando o revoltosos arrancaram os trilhos da linha férrea, parte delles (guiados de certo por quem conhecia os dédalos do mangue) seguio pela Valla da Caieira afora até à olaria e outra, saltando no porto da Passagem, desceu pela linha, prendeu os trabalhadores da turma para não levarem aviso à Villa-Nova e, encontrando com os outros que os esperavam, “commeteram o vandalismo do mes de outubro”.
          Este ponto hoje está perfeitamente guarnecido.
          Pelo lado direito, mais abaixo, recebe o Macacú o Córrego Barro Vermelho e pouco depois um ouro menor, na foz do qual os fabricantes de esteiras fundeiamas ambarcações para arrancarem feixes de juncos para o seu fabrico.
          Um juncal immenso, infinito, derrama-se chatamente pelo brejo.
          Este largo terreno descampado a chammejar debaixo do calor formidável dum sol que ardia, fazia lembrar as campinas incommensuraveis de sapegas dos pampas gaúchos.
          E ao tempo que o juncal oscilava com os assopros temporários, passageiros e fracos, do veno do mar, que fugia cansado, da outra banda do rio erguiam-se novellos de fumaça amarella de turfas minadas pelo fogo.
          Ellas flanqueiam, em camada secca, toda a borda direita do rio nesse ponto. Folhas, gravetos, algas, môlhos de gramíneas, pedaços de madeira, molambos que as enchentes trazem e ue as vasantes deixam a seccar na beira do rio, formam as turfas.
          O sol  torrar por cima, o mormaço quente dos paus a aquecer por baixo, incendeeiam-nas em determinadas épocas o calor.
          O fogo clandestinamente alastra-se por baixo, fumegando, e lavra durante semanas.
          Estranha anomalia !!!
          Neste ponto de nossa viagem, onde os mosquitos  deviam fugir da fumaça, fomos assaltados por um enxame de maruhys  e pernilongos “sanguiphagos” e de uma impertinencia incivil e azocrinante.
          Passamos pela barra do Iguarapé João Fernandes, da qual os mosquitos não me deixaram informar.
          Se se abria  bocca, os desgraçadinhos avançavam atropeladamente para invadi-la.
          Por que razão os mosquitos gostam tanto dos buracos da gente ?
          O João Fernandes liga-se ao Guarahy, assim como abaixo, o lado  esquerdo o riacho Camburupy  liga-se ao Guaxindiba, e é navegável por toda a extensão por barcos de 20 toneladas.
O curso delle, do Macacú ao Guaxindiba, é de quatro kilometros, a cálculo, e vaza ou enche conforme o fluxo e refluxo marítimo.

http://imgur.com/E18V4EB

          Existem na margem de sua barra com o Macacú ruínas de uma casa onde também, em outros tempos, os piratas da regência , acoitavam-se. Faziam presas de embarcações e iam subir no Guaxindiba pelo  Camburupy,  só por elles conhecido e explorado.
          Descendo uns dois kilometros chega-se aos “Baixios” formão pela desembocadura dos três córregos: o Calhambóra do lado esquerdo, o Arroz e o Bapucú o direito.
          É ahí que os revoltosos vãao fazer aguada todas as semanas, por ser o ponto mais perto em que  água do Macacú ée fresca, potável, sem salobrismo da maré, que dahi para baio salga o rio na razão direta da descida.
          Dois kilometros mais, o Guarahy-Mirim canaalia as águas do Macacú om o Guarahy-Grande. Todo ele é navegável, desde Sambaquy ao seu xará.
          Outr’ora Sambaquy foi um belíssima fazendola que  a lenda descreve como a escola, onde os pretos raptados das aringas africanas iam aprender as primeiras palavras da língua dos seus senhores.

http://imgur.com/wFfHCx8

          Há um grande depósito de ostras Juno à velha fazenda, hoje tapera.
          Ainda pelo mesmo lado alarga-se a Foz do riacho de S. Matheus.
          A perspectiva é tristonha para baixo. Toda a vegetação é de manguinho de folhas queimadas pelo sol. Por cima tremula, como uma miragem de quentura, um ar esturrado da superfície de forno em braza. O horizonte também parecia queimar.
          Diante deste panorama uniforme e monótono e árvores o mesmo tamanho e cor a irradiarem-se numa latidão immensa e larga, julga-se a gente no Sahara.
          E para mais assegurar a illusão, lá no fundo esfumaçado do sul afunilam-se dois ou três morros à guiza de pyrâmides do deserto!
          Há mais um córrego por nome Volta das Galinhas, do lado esquerdo. Um bano de piacocos e jaçanãs voaram , cantando metallicamente quando passávaamos.

          Toda essa região de brejos, pântanos, banhados, páues   e charcos, se é transitável pelos rios. Fóra destes quem ousar pôr o pé em terra, ao cabo de cinco minutos engolfa-se atolado pela lama.
          Numa curva do rio avistamos Paciencia, onde se dera o encontro das tropas.
          É uma cãs num comoro abahulado, e em torno mangue ...
          Na frente, por dentro do rio atravessado por uma ilhota logo abaixo, há innúmeros curraes e cercados de peixe.




          Paciência estava abandonda !!!

          Pelo lado da ilhota há um canal por onde passam as embarcações, mas é tal a sua estreiteza,  que uma embarcação de certo tamanho indo a pique no meio delle, impede infalliveelmente a navegação.

         Pelo lado esquerdo há um outro canal que nem sempre dá passagem. Este tende a se obstruir com o tempo. Noutra época era navegável a toda era do anno e a toda hora do dia.

          A própria ilhota é de formação recente. Trinta annos atrás (1850) ela não existia ....   "
       (transcrito  - janeiro de 1894)



                                                                             


Alberto Santos
             












3 comentários:

  1. O artigo está muito bom. Já fomos tentar encontrar Paciência, entrámos mangue a dentro, sentimos que estavamos perto, mas não encontrámos o local !

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  2. Muito bom, mas temos que considerar que ao longo do tempo o rio Macacú e sua bacia hidrográfica passou por muitas intervenções. A própria bacia hidrográfica perdeu o seu baixo curso para o seu principal afluente, o rio Caceribu. Isso ocorreu no final da primeira metade do século XIX até primeira metade do século XIX, quando, para abastecer a Represa de Imunana, que fornece água para Ltaboraí, São Gonçalo, Niterói e Ilha de Paquetá, o seu curso fora interrompido no ponto o

    Na foz do rio Guapiaçu, o principal afluente pelo lado direito, de forma que, já não existe a barra do Macacu.
    Com a interrupção do Macacú na foz do Guapiaçu, e aterramento do trecho compreendido entre o Canal de Imunana e o Caceribu, esse herdou o antigo baixo curso do Caceribu, seguindo com as suas próprias forças até à barra na baía de Guanabara.
    O texto datado do final do século XIX, traz um fato interessante quando relata a existência do canal artificial de camburupi, hoje Cangurupi,mas não faz menção à separação das bacias hidrográficas.
    Podemos identificar ainda hoje os furos do mangue nomeados como João Fernandes, Guarany grande e Guarany mirim, Arroz, Caieira e outros como canal de Tambutahy, vala do Imbuhy, vala da Imbira e outros que provavelmente resultam de alargamentos de canais naturais que foram usados para o escoamento da madeira (pau de mangue) pelos desmatadores contratados pelas cerâmicas da região.
    Importante registra que nenhum desses canais e fazendas citados no texto constam hoje da bacia do Macacu, constando hoje da bacia do rio Caceribu, de forma que, as águas do Macacú hoje chegam à Baía de Guanabara através do Rio Guapi, no município de Guapimirim.


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  3. obrigado por esta contribuição ao texto. Embora conheça um pouquinho do riscado, na prática , sou apenas um escavador que se propõe a "socializar" ao máximo as fontes para facilitar o trabalho da meninada das monografias, dissertações e teses. Mais uma vez , obrigado por sua contribuição esclarecedora, Heleno Cruz. Um abraço

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