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sexta-feira, 17 de julho de 2015

PROCURE-ME ! ( Carta de um desaparecido político à Presidenta Dilma Rousseff )



 PROCURE-ME ! ( Carta de um desaparecido político à  Presidenta Dilma Vana Rousseff )

 
(Maninho)
 

 
        Camarada Wanda, se assim vossa esselença me apermitir tratar.

        Aceite esta carta, não é apócrifa... é que nem lembro mais como se assina o nome.

        Tarvez  vosmicê  de mim vai alembrá . Mas se fizer de rogada dizendo a memória faiar vou lhe avivar a memória para que  não caia no esquecimento o meu causo, que agora vou prosear.

        Sou eu, o DANIEL NUNES, lavrador muito humirde lá das bandas da Papucaia, em Macacú. Eu vivia numa tapera, com mulher , num pedaço de grotão . Isso lá pelo 68 maizomeno. A vida naqueles tempos era uma dificulidade que só. Mas se cum Deus pouco é muito , aquilo que semeava no roçado havia de nos saciar a fome .


 Os grileiros não nos dava assossego não. A gente plantava e o boi comia tudo. Foi donde conhecemos vosmices, duma tar de organização COLINA, que dispois virou VAR. Não demorô muito tempo e apareceram uns homi tudo vestido de azul. Bota e boné. Não tiveram piedade, mataram de morte matada meu cunhado, o cumpadre Tião. Cinco bala de fuzi perfurô seu coração.

      A mardade foi tão grande que não nos devorveram o cumpadre, e até hoje nem se sabe adonde enfiaram o caixão.

        Aí fiquemos desleriado, numa doidice disgramada, que nem barata tonta sem saber donde se entocar.

        Magina camarada Wanda aquela situação, uma ruma de criança arrastada pela mão, sem eira nem beira, em busca de teto e provisão.

        O Bispo acoitou a nós. Passemo quase seis mês entocado, iguarzinho a boi ladrão, até que oces decidiram nos tirá do riograndino, em Friburgo, e nos levá pro Maranhão.

        A viagem foi cansativa, aquela tropa de gente dentro da Kombi-furgão. Paramos em São Salvador, e dali pra Marabá, seguimos por Castanhal, por dentro de igarapé fugindo de jacaré, jibóia e cobra coral... , em vapor, lombo de burro, cano e furgão.

 
 
       Doze dia, doze noite escondidos numa canoa  comendo lagarto e calango fugindo da perseguição. Passamos em Bragança, São Miguel,... Seguimos até Viseu e entremo no Maranhão. Foi quando em São Luiz  recebemo uma senha, de que a terra prometida, estava bem perto de  achar.  Com trinta mil contos no bolso, só nos fartava poquinho :  630 quilometros  ainda a peregrinar.

        E a terra prometida, nossa nova Canaã se chamava Lagoa Verde, nos interior de Imperatriz, beirando um braço de mar chamado de Tocantins.
 
 

        E quando nós se acheguemos, foi uma alegria que só, era um sítio  jeitosinho, casa grande coberta de palha, chiqueiro pra criação, quintal pra criançada relar por aí.
        Mas firmemo compromisso de na Organização ajudá, valer cada tostão e aquela terra pagar com trabalho e união.
 
 

        Vosmices não eram mais o Colina, agora se chamavam  VAR, e sempre nos visitavam trazendo nova instrução pra mim. Quase sempre era o Euclides, outras vezes era Euclides e Ciro, e às só o Joaquim.
 
 

        O tempo foi passando, era tempo de plantar  mandioca , colher milho e feijão. As porcas tudo parindo, criança em tempo de escola , mulher com bucho estufado e o celeiro cheio de arroz.

        Foi quando de um dia pro outro , que nem chuva de gafanhoto, a cidade ficou tomada de gente de bota e boné. Quase cinco mil homi se apossaram das escolas pra acampamento montar, até o clube Juçara virô hospitá militar.

         E a Lagoa Verde ficou mais verde que já era . Tinha jeep, tinha blindado, helicópiro e canhão.

         Vieram caçar os ‘paulista’  vasculhando cada parmo de chão. Queriam um Geraldo de tal, lá das bandas de Serra Quebrada, que viera de sumpaulo. E aí levaram meu sogro e cunhado pro quartel da RODOBRÁS arrebentados no pau. Embarcados no avião Cesna com as costela estrupiada  foram levados pro quartel no Planalto Central.
 
          Aí foi que sobrou pra mim, que no dia seguinte tive o sítio vasculhado.  Derrubaram tudo que tinha, em busca de armamento pesado. Rasgaram as sacas de arroz, jogaram a tapera no chão. Agrediram até minha muié ameaçando cortar sua língua se não dissesse o paradeiro de mim , dos cumpadres Jorge e Josué . 
 
 
 
 
 
 
        Eram só duas crianças em tempo de soltar pipa, bola e pião. Apenas dois batoré. Um de doze e outro de quinze, que tamanha judiação !

       Fugimos no meio da mata,  pra salvar o nosso couro. Foram quase 160 milhas de pé até chegarmos no rio Cacau. Depois disso não me alembro de nada, a não ser uma intensa dor. Dor que nunca se acaba. Chamboque que num fecha. Nunca finda !
 
 
                                                              Rio Cacau (Davinópolis/MA)

        O final da história eu não sei, pois não moro mais acolá. Como dizem os espíritas , estou em outro patamar: agora moro no andar de cima. Só voltei para saber onde minha outra parte - a os ossos, os desgraçado enterrou.

        Ao 84 anos de idade, só não me dou como morto, pois sei que de meu povo serei sempre  alembrado. Sei que a minha Lia ainda se alembra de mim. Com meus olhos cheios de sangue e a visão meio enturvada, sempre avisto duas crianças que me são um tanto familiar. Pode ser até que eu me engane mas são o Jorge e o Josué, meus compadre e cunhado.

         Me adescurpi camarada Wanda, que também foi torturada, pela minha sinceridade. Vosmicê criou Comissões, e até uma tal da Verdade. Nomeou só papa-fina, gente de alto saber, todos bem comissionados, que fizeram relatório pra dizer que apuraram toda aquela crueldade.

        Divulgaram na mídia impressa, nas redes e na Tevê, o tal Relatório Final que é só “pra inglês ver”.  Teve coletiva de imprensa , pra todo mundo sair no retrato.

       Mas se esqueceram de mim, do Jorge e do Josué, que não constamos da lista dos  quatrocentos e trinta e quatro (434).

       O que é isso companheira ? Renegaste o compromisso junto a nós camaradas, assumido pela VAR ?

       Aleiva ! Anote aí na sua agenda, meu codinome é  MANINHO, que nunca fugiu à luta . Os outros nem tem codinome, usam só o de batismo , chamam Jorge e Josué.

 

      
 
                Maranhão, em algum ponto próximo ao Rio Cacau
                               ( entre 04 e 12 de agosto de 1971 )
 
                                                 Daniel Nunes, o MANINHO... Presente !

 
                                                                          
                                                            Alberto Santos


 

 

 

 

 

 

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