PROCURE-ME ! ( Carta de um desaparecido político
à Presidenta Dilma Vana Rousseff )
(Maninho)
Aceite esta carta, não é apócrifa... é que nem lembro mais como se assina o nome.
Tarvez vosmicê de mim vai alembrá . Mas se fizer de rogada dizendo
a memória faiar vou lhe avivar a memória para que não caia no esquecimento o meu causo, que agora
vou prosear.
Sou eu, o DANIEL NUNES, lavrador
muito humirde lá das bandas da Papucaia, em Macacú. Eu vivia numa tapera, com mulher , num pedaço de grotão . Isso lá
pelo 68 maizomeno. A vida naqueles tempos era uma dificulidade que só. Mas se cum
Deus pouco é muito , aquilo que semeava no roçado havia de nos saciar a fome .
Os grileiros não nos dava assossego não. A gente plantava e o boi comia tudo. Foi donde conhecemos vosmices, duma tar de organização COLINA, que dispois virou VAR. Não demorô muito tempo e apareceram uns homi tudo vestido de azul. Bota e boné. Não tiveram piedade, mataram de morte matada meu cunhado, o cumpadre Tião. Cinco bala de fuzi perfurô seu coração.
Os grileiros não nos dava assossego não. A gente plantava e o boi comia tudo. Foi donde conhecemos vosmices, duma tar de organização COLINA, que dispois virou VAR. Não demorô muito tempo e apareceram uns homi tudo vestido de azul. Bota e boné. Não tiveram piedade, mataram de morte matada meu cunhado, o cumpadre Tião. Cinco bala de fuzi perfurô seu coração.
A mardade foi tão grande que não
nos devorveram o cumpadre, e até hoje
nem se sabe adonde enfiaram o caixão.
Aí fiquemos desleriado, numa doidice
disgramada, que nem barata tonta sem saber donde se entocar.
Magina camarada Wanda aquela
situação, uma ruma de criança arrastada pela mão, sem eira nem beira, em busca
de teto e provisão.
O Bispo acoitou a nós. Passemo quase seis mês entocado,
iguarzinho a boi ladrão, até que oces decidiram nos tirá do riograndino, em
Friburgo, e nos levá pro Maranhão.
A viagem foi cansativa, aquela
tropa de gente dentro da Kombi-furgão. Paramos em São Salvador, e dali pra
Marabá, seguimos por Castanhal, por dentro de igarapé fugindo de jacaré, jibóia e
cobra coral... , em vapor, lombo de burro, cano e furgão.
Doze dia, doze noite escondidos
numa canoa comendo lagarto e calango
fugindo da perseguição. Passamos em Bragança, São Miguel,... Seguimos até Viseu e entremo no Maranhão. Foi quando em
São Luiz recebemo uma senha, de que a terra prometida, estava bem perto de achar. Com trinta mil contos no bolso, só nos fartava
poquinho : 630 quilometros ainda a peregrinar.
E a terra prometida, nossa nova
Canaã se chamava Lagoa Verde, nos interior de Imperatriz, beirando um braço de
mar chamado de Tocantins.
E quando nós se acheguemos, foi
uma alegria que só, era um sítio jeitosinho,
casa grande coberta de palha, chiqueiro pra criação, quintal pra criançada
relar por aí.
Mas firmemo compromisso de na Organização ajudá, valer cada tostão e aquela terra pagar com trabalho e união.
Vosmices não eram mais o Colina,
agora se chamavam VAR, e sempre nos visitavam trazendo nova instrução pra
mim. Quase sempre era o Euclides, outras vezes era Euclides e Ciro, e às só o Joaquim.
O tempo foi passando, era tempo
de plantar mandioca , colher milho e feijão. As
porcas tudo parindo, criança em tempo de escola , mulher com bucho estufado e o
celeiro cheio de arroz.
Foi quando de um dia pro outro ,
que nem chuva de gafanhoto, a cidade ficou tomada de gente de bota e boné.
Quase cinco mil homi se apossaram das escolas pra acampamento montar, até o
clube Juçara virô hospitá militar.
E a Lagoa Verde ficou mais verde
que já era . Tinha jeep, tinha blindado, helicópiro e canhão.
Vieram caçar os ‘paulista’ vasculhando cada parmo de chão. Queriam um
Geraldo de tal, lá das bandas de Serra Quebrada, que viera de sumpaulo. E aí
levaram meu sogro e cunhado pro quartel da RODOBRÁS arrebentados no pau. Embarcados no avião Cesna
com as costela estrupiada foram levados
pro quartel no Planalto Central.
Eram só duas crianças em tempo de
soltar pipa, bola e pião. Apenas dois batoré. Um de doze e outro de quinze, que tamanha judiação !
Fugimos no meio da mata, pra salvar o nosso couro. Foram quase 160
milhas de pé até chegarmos no rio Cacau. Depois disso não me alembro de nada, a não ser uma
intensa dor. Dor que nunca se acaba. Chamboque que num fecha. Nunca finda !
Rio Cacau (Davinópolis/MA)
O final da história eu não sei,
pois não moro mais acolá. Como dizem os espíritas , estou em outro patamar:
agora moro no andar de cima. Só voltei para saber onde minha outra parte - a os ossos, os desgraçado enterrou.
Ao 84 anos de idade, só não me
dou como morto, pois sei que de meu povo serei sempre alembrado. Sei que a minha Lia ainda se alembra de mim. Com meus olhos cheios de sangue e a
visão meio enturvada, sempre avisto duas crianças que me são um tanto familiar. Pode ser até que
eu me engane mas são o Jorge e o Josué, meus compadre e cunhado.
Me adescurpi camarada Wanda, que
também foi torturada, pela minha sinceridade. Vosmicê criou Comissões, e até
uma tal da Verdade. Nomeou só papa-fina, gente de alto saber, todos bem comissionados, que fizeram relatório pra dizer que apuraram toda aquela crueldade.
Divulgaram na mídia impressa, nas
redes e na Tevê, o tal Relatório Final que é só “pra inglês ver”. Teve coletiva de imprensa , pra todo mundo
sair no retrato.
Mas se esqueceram de mim, do
Jorge e do Josué, que não constamos da lista dos quatrocentos e trinta e quatro (434).
O que é isso companheira ?
Renegaste o compromisso junto a nós camaradas, assumido pela VAR ?
Aleiva ! Anote aí na sua agenda, meu
codinome é MANINHO, que nunca fugiu à luta
. Os outros nem tem codinome, usam só o de batismo , chamam Jorge e Josué.
( entre 04 e 12 de agosto de 1971 )
Alberto Santos
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