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terça-feira, 14 de julho de 2015

Os Guarany-Kaiowá do Macacú ( to be or not to be, that is the question ? )




                                 a "futura" barragem do rio Soares ( Soarinho )

1         a compreensão necessária;
    2         os antecedentes de Macacú;
    3         os Guarany-kaiowá do Macacú.

 

A compreensão necessária

             Recentemente recebi de um amigo fraterno um certo aconselhamento. Não o responderei inbox, pois a resposta é deveras extensa. Não que eu desconsidere seu aconselhamento, que é pertinente, coerente, e que se reveste de um sentimento de proteção à minha pessoa quanto a futuros desconfortos que eu venha passar.

Dizia-me ele “ para ter cuidado com o que publico, nomes e referencias que cito, pois nem sempre as pessoas tem a mesma compreensão que eu ”.

Imagino que referia-se a uma postagem onde cito nominalmente um funcionário público, notoriamente conhecido por negociar terras públicas a particulares. Em Direito, reza a cartilha que ‘ cabe a quem acusa , o ônus da prova’ . Sei bem disso. E desde já agradeço a preocupação como indicativo de apreço por mim. Mas ..

... para aqueles que  me conhecem de longa data, e já acostumados com minha crítica contundente e maneira intransigente de agir , nada disso é uma novidade. Este perfil ou estigma está gravado em DNA, e contra ele nada posso fazer.

Tenho amigos na vida real e aqui nas redes, como Silvio Silva, Affonso Gillano, Luiz Beckheim, Marcelo Feijó, ... outros, aos quais admiro pela clareza com que fazem suas proposições, pelas suas críticas sutis e ponderadas, e até os invejo pela divina capacidade de achar o ponto de equilíbrio entre a ação e a retórica, sem jamais cair no radicalismo vulgar.

Gostaria de ser assim também, mas não o sou, infelizmente. E por vezes pago caro por esta deficiencia.

De minha parte posso dizer que nasci torto, à esquerda do falópio. Nesta longa trajetória não foram poucas as vezes em que me vi isolado por manter a todo custo minha opinião  . É que o meu pensar filosófico , de conceber o mundo e as coisas, segue a regra ‘da unidade e luta dos contrários’, onde não há espaços para o meio termo, para o talvez.
( to be or not to be, that s the question ? )

Para mim só existem dois campos, o yng e o yang , que aplico para alcançar o valor absoluto da dialética marxista.

Portanto, não espero compreensão no que escrevo. Apenas atitudes de meus pares.

E quem são estes “meus pares” ? 
São todos aqueles que se indignam com o arbítrio, com  a injustiça, com o massacre que cotidianamente nossos povos estão submetidos, mas que só fazem criticar ou reclamar, sem tirar  o traseiro de suas cômodas poltronas.

Às vésperas de me tornar um sexagenário, adquiri bagagem suficiente para evitar certos percalços. Sou extremamente cuidadoso em meu denuncismo :  quando mato a cobra , eu mostro o pau !

E se todo boi tem nome, é minha missão dentre outras  nominá-los, para que os incautos não formem e disseminem opiniões equivocadas a respeito de A ou de B.
Estamos na boca de 2016, e esse boi específico posará de cordeiro, de salvador da pátria, e buscará a todo custo imunidade para afastar a hipótese de uma experiência amarga.

Os antecedentes de Macacu

Para aqueles que já se inteiraram na parca  literatura sobre o assunto, é sabido sobre a grande crise econômica  de 1864, a "do Souto", que repercutiu também por toda a região do Macacú.  Para além deste desajuste nas finanças de grandes fazendeiros, contribuiu muito para o processo de fragmentação das grandes estruturas agrárias, o advento da ferrovia e a abolição da mão de obra escrava.

Em texto recente que publiquei, e da boca de uma ex-escrava - a vovó Elisiária,  temos o relato do que sucedeu, e que nos dá uma noção precisa do esvaziamento das atividades agrícolas na região : “  Ao tempo da abolição, o Justino, meu marido, não queria ficar lá, e todos se retiraram da fazenda. Não dava gosto não senhor. A gente fazia uma roça muito bonita e os fazendeiros tomavam e botavam gado pra comer a plantação. A gente então com raiva saiu. Os fazendeiros não queriam cumprir a lei que o governo botou (Abolição) e brigaram. Houve barulho. E a metade dos fazendeiros morreram apaixonados de raiva .”

Dito isto, grandes áreas de terras se tornaram improdutivas, ou por escassez de mão de obra escrava ou pelas constantes enchentes, como a de 1883  .... Muitas terras foram literalmente abandonadas, pântanos improdutivos, sem dono. Excetuando-se alguns poucos fazendeiros como os Amorim , tradicionais na região do Guapemirim/Macacú, restaram poucas unidades como as do Carmo, arrebatadas por um consórcio de austro-alemães, as de Papucaia adquiridas pelos irmãos Laje e as de Macacú pela Sociedade Anonima de mesmo nome, além das de Vargem Grande.

O Brasil do pós-guerra, respirando ares democráticos, e com uma indústria do aço e petróleo em ascensão, não tardou  conhecer um expressivo fluxo migratório interno, por conta da necessidade de uma nova mão-de-obra. E este fluxo deu-se do norte/nordeste em direção ao sudeste. Grandes levas de nordestinos fugindo das agruras da seca e do coronelismo, chegavam pelo litoral em busca de terra e trabalho.

E  é neste contexto, nos idos dos anos 50, que são implementadas as primeiras políticas de ocupação do território nacional. Um novo modelo que atendesse às expectativas da tão reclamada reforma agrária capitaneada pelo emergente sindicalismo rural e que ao mesmo tempo não desagradasse a Sociedade Rural Brasileira, que exercia forte influencia no Congresso Nacional.
Todas as tentativas de Getúlio no reordenamento da legislação sobre desapropriação deram em água, visto que  bancada dos ruralistas a rejeitava.  Apenas uma mensagem presidencial foi aprovada desta matéria, que regulamentava apenas a desapropriação de terras em área de fronteira.

Vargas optou por um modelo mais brando, o da colonização, com a ocupação a princípio por imigrantes europeus e japoneses – os desalojados do pós-guerra, e em um segundo momento pela mão de obra do retirante nordestino.

Surgia aqui no Estado do Rio de Janeiro, sua genial ideia da formação do cinturão-verde, medida que visava o fortalecimento da agricultura, ao abastecimento da Capital e o abrandamento dos conflitos de terras.

Uma das regiões escolhidas, e que viria a se tornar a “menina dos olhos”  de Vargas foi exatamente a antiga Fazenda Papucaia, incorporada do espólio Henrique Laje ao Patrimonio da União. E não foi á toa !

                                     casinha do Soarinho em que Getúlio preparou um churrasco
                                     para a população de Papucaia, Granada e Soarinho, nov/1953
 

Getúlio, já em 44 havia tornado agricultável toda a área compreendida pela bacia hidrográfica do Macacú-Guapaçú, Merity, Guandu... Seu programa de saneamento da baixada fora exitoso. O que antes era terra inaproveitável e insalubre, tornara-se ubérrima .

Criaram-se os Núcleos Coloniais, em um total de sete, dos quais destacavam-se o de Santa Cruz e o de Papucaia. Cresceram a produção de hortifrutigranjeiros no estado e amainaram-se os conflitos.

                   os Guarany-kaiowá do Macacú
 
 
 
antiga canalização da represa do Soarinho datada de 1879

 

Em fins do mandato de JK deu-se o fortalecimento das forças retrógradas  em plano nacional, forças que se alinhavam ao imperialismo estadunidense e que se opunham à ideia crescente da possibilidade de uma reforma agrária a ser implementada por seu sucessor. Neste período recrusdeceram os conflitos e a grilagem de terras.

E Cachoeiras de Macacu não foi poupada da ganância de uns poucos. Vastas áreas de terra, outrora pântanos e sem titularidade passaram a ser alvo da grilagem de particulares e corporações : Vechi, Marubaí, Vargem Grande, Serra Queimada, São José...

Em 1961, a grilagem já havia avançado inclusive  nos domínios do Núcleo Papucaia, colonizado e sob administração federal. Intensificaram-se os conflitos e mais adiante o nefasto golpe de 64 viria a sacramentar a sorte do pequeno lavrador.

Não irei aqui detalhar o que sucedeu com as cerca de 6.000 famílias desalojadas no curto período que vai de março de 1964 ao ano de 1972.

Boa parte das terras expropriadas aos colonos foram passadas às mãos de particulares, como no caso da gleba Soarinho, repartidas por Geisel a altos funcionários da Petrobrás, ou das áreas de Nova Ribeira vendidas a criadores de cavalos, ou as áreas nobre de Boca do Mato e Castália a militares de alta patente. Tudo patrocinado pelos gendarmes do IBRA/INCRA.
 
Isso tudo deu-se durante os 21 anos de escuridão.

Mas veio a redemocratização, um nova Constituição Federal, e o restabelecimento de garantias e direitos. Era de se esperar que os excessos fossem corrigidos, as injustiças reparadas e que dali em diante a moralidade no trato com terras públicas passasse a ser uma norma inexpugnável.

No entanto, ao longo dos últimos 20 anos , o que se vê é exatamente o oposto. Glebas inteiras foram aquinhoadas a particulares, tanto na área rural como nos imóveis urbanos destinados a colonos, como o foi o loteamento COQUEIRAL, onde o ex-administrador do Incra possuía sua bela residência, ou nos lotes remanescentes da gleba COLÉGIO , no GUAPIAÇÚ, terras da administração federal vendidas a particulares, ou doadas a sogro ou amigos.

Para aquele que se dignar a um “ tour ” por Papucaia terra adentro até o Marobaí, Maraporã, Belém ou Areia Branca verá com os próprios olhos o desvirtuamento de finalidade em terras para a reforma agrária, que hoje servem a grandes empreendimentos particulares.

Para bem exemplificar, cito aqui o caso de Soarinho.

Sabe-se que por um bom tempo advogou-se a idéia da construção da barragem do Guapiaçu, ideia esta que a cada dia perde força em face do fiasco que se tornou o projeto inicial “das” refinarias do Comperj.

Sabe-se ainda que havia um projeto alternativo para a construção de 3 (três) pequenas barragens menos impactantes, sendo uma delas a do Soarinho.
Pois bem, esta pequena barragem alternativa fora projetada e proposta pelo tal ex-administrador do Incra, mas que por conveniência jamais assumiu a autoria do projeto. Melindrava perder prestígio e seu cargo comissionado, perante os olhos do prefeitinho.

Mas eis que forneceu informações privilegiadas deste projeto a um outro velho conhecido nas  altas rodas de “terras baratas”, um tal de Oracir, que de forma sorrateira adquiriu algumas pequenas propriedades, sem muito valor comercial, exatamente localizadas na antiga represa do Soarinho ( a de 1879 ) e onde serão realizadas as obras da barragem alternativa.
(Há quem diga que o atual prefeitinho também adquiriu uns lotes por ali)
 
                                     foto tirada em jan/2014 - à direita Seu Martiniano, o caseiro ( 74 anos )

*   Seu Martiniano conheceu Getúlio Vargas quando tinha apenas 12 anos. Foi incumbido por Getúlio de ir comprar 100 pãeizinhos para servir durante o churrasco. Conta com alegria sobre aquele dia histórico,  do cadillac rabo de peixe da comitiva presidencial e da gorjeta que recebeu do presidente.
Morou nesta casinha toda a sua vida, como caseiro. Hoje, 2015,  aos 74 aanos de idade foi expulso de lá.

Aqui  fico imaginando qual o valor  recebido por vender estas informações, e de quanto será  em reais a desapropriação destes lotes , a ser arbitrado por Pezão , Dilma Yousseff  e Comperj ?

Infelizmente, o Ministério Público Federal que tem os olhos bem atentos no Incra do MS, não tem olhos para as ações criminosas que foram praticadas ao longo dos últimos anos aqui em Cachoeiras de Macacú.

Somos os Guarani-kaiowá do Macacú, terra sem lei, terra da injustiça não reparada, terra de desbragada corrupção.
                                                                                                                                                           Alberto Santos
 
... e deixa andar
 
 

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