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segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Eu, Seu Heitor e Garrincha

                                 Eu  , seu Heitor  e o Garrincha


       Era bem guri quando fui morar em Olaria, subúrbio carioca. Acho que foi em 1961, um ano após meu avô Sebastião voltar de Brasília. Meu pai sempre foi rígido e eu quase não saía de casa. Mas lá pelo ano de 1968 me  “rebelei” e passei a frequentar o campinho de pedra da rua onde os meninos jogavam bola. Logo me enturmei, e em pouco tempo já fazia parte da equipe de futebol da rua , mais parecia o exército de Brancaleone : inicialmente eram , eu no gol, Claudiú, Buda, Claudio Pascarelli, e Zé Antonio. Com a saída de Pascarelli, fui para a linha, entrando Marco Antonio no gol.  De craque no grupo só o Claudiú. No mais,  o Zé era o nosso tanque de guerra, o de fazer gols. É bem verdade que ele na maioria das vezes chutava mais chão do que bola.

eu e meu pai - 1966
 

E esta convivência esportiva me levou a frequentar o prédio e a residência deles. Zé e Marcos eram irmãos, e logo vim a conhecer o pai deles : Seu Heitor, um senhor de quase 1,90 e muito brincalhão. Era o protetor de uma cadela abandonada que pernoitava em frente ao prédio: a piranha. Ele gostava muito de animais. Em seu apartamento possuía dois cães (pequenês) e um anu (a pretinha) que vivia solta e dormia junto ao motor da geladeira.
Nessa época ele trabalhava para o Jornal dos Sports, e passava boa parte do dia desenhando à nanquin os nossos craques do futebol : Flávio, Zanata, Fio Maravilha, Samarone, Pelé,.... depois Zico e Dinamite. Ah, este último ele desenhava com esmero. Seu Heitor era vascaíno roxo !
O que impressionava, além do talento artístico do seu traço contínuo, era a paciencia com que preenchia os espaços.
A última vez que o vi, como sempre, não perdeu a oportunidade de me zoar. Ele era muito sacana !
Era meados de 84, e eu vinha de ser preso na campanha das ‘diretas já’.
Eu era apenas ...........
 
... um rapaz latino-americano, sem parentes importantes, e vindo do interior: um camarada meu, o Cesário, me cedera seu apartamento no luxuoso condomínio do Nova Ipanema, na Barra. Nesses idos, eu andava bem largado:  jeans surrado, camiseta das diretas já, uma barba enorme e sandálias havaianas. Meus pés pareciam os de um carvoeiro.
Pois bem.
Certo dia fui à Olaria visitar meus pais, e no retorno para pegar o ônibus avistei seu Heitor na estação. Não o via há 7 anos.
Me apressei e dei-lhe um abraço forte. E entre uma conversa e outra ele me perguntou:
-  onde voce está morando.
Respondi todo contente:
-no Nova Ipanema.
E acrescentei :
Tô morando na Barra !
E ele sempre brincalhão, olhando para mim com aquele pé de carvoeiro, disse na lata, com aquele sorriso sacana :
Ah, sei. Na barra pesada... e soltou uma gargalhada.
Meu ônibus, o 484,  logo chegou e eu me despedi.
Foi a última vez que o vi, e a lembrança que ficou desse momento me é muito agradável.
Separei aqui um desenho feito por ele, que foi capa de revista em 25 de agosto de 1954, um dia após a morte de Getúlio Vargas .
 
 
 
ao rolar o mouse veja o efeito do traço contínuo de Seu Heitor
 
                        GARRINCHA , O MELHOR DOS MELHORES
 (Texto atualizado)
 Ai que saudades que eu tenho dos anos que não voltam mais...da bola de meia, do pique-bandeira, jogo de betty, pular carniça e à noite o barrili. Nem preciso lembrar a guerra de côquinho de catarro. Êita tempo bão! Toda segunda era dia de bolão, de 7 a 11...quem tirasse o 7, do artilheiro era certo: levava duas cédulas do Índio(10 mil cruzeiros). Aí era festa, uma gastança que só: pra comprar paleta para o jogo de botão, agulha nova pra vitrola, algum longplay dos Beatles ou do Dylan. Ia no armazém do seu Antônio e mandava pesar 200 cruzeiros de biscoito sortido Piraquê(fresquinho, crocante, cheiroso e pesado na hora, direto da lata) e ainda sobrava para o mandiopã, a vitavena , o leite condensado e o legítimo Catupiry. Hoje não dá pra fazer bolão: camisa 38, 122, 99, 51 . Tem até camisa 69 ... os pontas foram extintos!
 Ai que saudades da Sarah, uma judia de 12 anos,...meu primeiro amor! Ficamos juntos apenas duas estações. Foi para Israel no final de 68 e nunca mais voltou...não sei que fim levou...Eu, Sarah e o quartinho escuro da casa de máquinas do meu prédio brincando de médico e paciente. Enquanto eu via Sarah partir... MANÉ GARRINCHA vestia o manto-sagrado rubro-negro... e o os AIs  2 e 5 comendo solto (destes não tenho saudades).
 
 
                   daquela janela aberta eu tinha uma visão panorâmica privilegiada,
                             dava para ver a Igreja da Penha toda iluminada
 Aquele 7 bendito era um santo milagreiro... , santo bolão...dava pra noitinha ir no Cinema Alice ver os filmes do Jerry Lewis ou James Bond, ou no pulguento Cine São Geraldo para assistir os primeiros filmes de Kung fu, ou os nacionais com a Sandra Barsoti(que delícia!). Uma vez por mês deixavamos de ser suburbanos para assistir filmes na Saens Pena. À noite ia com os amigos- lá no chinês-, comer um "brotinho meio-a-meio" com bastante mostarda. Que saudades do DKW, do Simca e principalmente da Rural que nos levava à "Praia". E que saudade das águas limpas do Jardim Guanabara... águas limpas nunca mais !
 Valei-me São Mané Garrincha, o dono da camisa 7 ! Eu nem me importava se ele era do Botafogo e massacrava meu Mengão. Naquele tempo o que valia era o futebol-arte,......e ganhar no bolão, é claro! Ah que saudade de minha rua, de paralelepípedos, dos dias de chuva e meus barquinhos de papel. Ai que saudades da Dinda, de seu pavê com vinho do porto e dos deliciosos ovos nevados. Chegava o sábado, manhã faxina em casa. À tarde, lanchinho em casa de tio Jonatas. Como era bom. Pão francês com manteiga, café c/leite quentinho.O  pão era igualzinho ao que comprávamos em casa, mas seu sabor era especial: parece que o corte, em diagonal, fazia daquele pão o + saboroso e abençoado do mundo. Se não era o corte, talvez o amor com que era repartido entre todos pela nêga Ruth. Só sei dizer que aquele pão c/manteiga colocava qualquer sanduíche do Bracarense no chinelo.
 Saudades das transmissões de Valdir Amaral, nas noites de saudades, do grapette, da Jeanne é um Gênio, de Perdidos no Espaço, de Nacional Kid e de Vigilante Rodoviário.
Ai que saudades de esperar na janela meu pai voltando do trabalho.
 
na minha rua havia uma Igreja: de S.Geraldo, onde o pessoal
da JUC/AP se reuniam (Cesar, Bonilha, Perfeito Fortuna)
 
Ôpa, ainda sobraram 2 mil cruzeiros: lá vai passando o homem do pingue-lingue e as rosquinhas de polvilho Globo e minha insaciável vontade de adquirir mais figurinhas. Desta vez, bendito MANÉ, 5 repetidas e uma premiada: a do Bellini ,uma bola cromo número 6....aff !  como era pesada. Na chuva então dobrava de peso.
 Que saudade daquelas manhãs de domingo: minhã mãe com meus irmãos rumo à escola dominical, enquanto eu e meu pai...bola de cromo debaixo do braço e...campinho do Ligth. Todo menino, naqueles idos sonhava em ser um Mané ,ou melhor, o Mané! Eu não possuia tais sonhos: era baixo e gordinho, e para me desestimular, o filho-da-puta do médico da família olhou meus joelhos e profetizou: a estrutura óssea deste menino está comprometida. ele não passa de um metro e meio. Sua profecia não se confirmou. Aos 13 já media 1,75...e meu pé 41...e por aí vai. Me tornei um vara-pau, com 185 centímetros ! O filho-da-puta se chamava Nicanor, e isso lá é nome de gente, quiçá de doutor! Acho que as horas trancadas no banheiro folheando as fotos da "Jane Birkin" na Vougue e na Playboy, ajudaram no meu crescimento ( e das espinhas também).
Hoje os meninos tomam bomba de cavalo para ficarem musculosos. Ah que saudades que tenho da minha puberdade, era bem diferente: tinha um amigo, Cláudio Pascarelli, aos 14 era meu médico de plantão. Me receitou um tal de "Proviron", que aumentava a motilidade e produção de espermatozóides. Haja revista para folear!
Que saudades que tenho de meus tempos de menino. Fui agraciado por ter tres tios ligados ao futebol: Selmo e João Cerruti foram presidentes do Maracanã(antiga ADEG) e todas as semanas recebia cortesias do setor B das cadeiras. Que saudades...do tempo em que a cortesia era apenas alguns ingressos. Hoje as cortesias são vôos grátis de jatinho , dispensa de licitações, Contratações diferenciadas, gordurinhas em projetos, depósitos em paraísos fiscais: falastrões, oportunistas, sicários, flibusteiros...ô raça de rastaquoere !
Meu terceiro tio, Ernesto Santos, era reporter-fotográfico da Tribuna da Imprensa, e foi assim, com acesso livre que vi de bem pertinho o gênio das pernas tortas. E é nessas horas que você até esquece por qual clube torce. Tinha uns 6, quase 7 anos talvez... Lembro bem, não sabia para onde olhar...se procurava acompanhar o balé em campo, ou se admirava o gigantismo daquele frenesi  que vinha de dezenas de milhares de vozes nas arquibancadas e na geral. Só um gênio poderia ser capaz de empolgar daquele jeito. E Garrincha podia. Pois sabia faze-lo !!!
No final 3 a 1 para o Botafogo.
Isso foi em 61. A redenção chegou 7 anos mais tarde.
 
 
 
Que saudades do Mané , das pernas tortas. Saudades do campinho de terra batida e cascalhos, e duas balizas (duas pedras enormes) à sombra de frondosas árvores que conhecíamos pelo nome de "pirú de macaco". Camiseta regata com os números pintados à mão: Marquinhos no gol, na defesa Beto Cavalo(ou corujinha).Este era eu, que sofria um bulling por conta do design de meu óculos. Completando a equipe Claudiú, Buda e Zé Antonio. Tome-lhe bola dente-de-leite que é pura pelada. O meio-fio servia como tabela e de tempos em tempos alguém deixava um pedaço de dedo junto  a ele.
 
Lembro de quando fomos  assistir ao primeiro pouso do Mirage no aeroporto velho do Galeão. Éramos 6 garotos, e um de nós - o BUDA, sacou do bolso uma carteira de HOLLYWOOD, oferecendo a todos. Ali dei meu primeiro trago, sem deixar de tossir e engasgar , é claro....fomos "ao sucesso" : vício maledeto !
 
 
 Éramos 5, e apesar de torcermos por clubes opostos( 3 vascaínos, um botafoguense e eu rubro-negro ), nos reuníamos para ir aos estádios juntos. Que saudades que tenho dos tempos de menino.
Que saudades do bonde e do lotação que me levavam até a casa de meus avós. O mesmo lotação que pegava com os colegas de rua para ir ao Maracanã, nos dias de domingo. Todos juntos , cada qual com a camisa de seu clube, torcendo por seus ídolos: Zico, Dinamite, Marinho Chagas, Rivelino, Edu, Afonsinho e tantos outros. Tudo na paz...Nós 5 , pertenciamos a uma geração que pôde vibrar, torcer, gozar...sempre juntos .
 Mas chegou a era Eurico e do Monteiro. Puta que pariu !!! que saudades de São Mané Garrincha, o imortal camisa 7 do futebol, ídolo de todos. Chegou o Zagalo com aquele futebol feio e defensivo, e a história dos pontas recuados. Chegaram os alas, as camisas 51, 47, 69...chegaram os vorazes empresários, as traffics e os traficantes de ilusões com suas Ongs ‘pilantróficas’, chegaram as tapiocas e a elitização do futebol.
 Ah Mané Garrincha...só você mesmo para nos dar alegria.
 
por Alberto Santos
 
 
120 anos de glórias
 
 

 

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