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segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Minha pequena Sarah



O AMULETO DE SARAH
Quando ainda pequenino
Para minha amada Sarah
Escrevi este versinho
Que dizia bem assim:
“ Meleca, melequinha
Ao nascer eras verdinha
E foi mudando de cor.
Não tinhas forma nem graça
E para dar-te
Existência nobre
Foi então que decidi
Transformar-te em bolinha.
Te apertei entre os dedinhos
Girando como ciranda
Até ficar igualzinha
A uma pequena pérola .
Lá no banco da escola
Onde senta a doce Sarah,
Grudei-te lá por debaixo
Como amuleto ou talismã
Pra proteger meu amor.
(Alberto Santos)



Minha pequena Sarah
Já se vão 48 anos desde que a vi pela última vez. Era véspera de Natal do ano de 67.
Sarah, uma judia que roubou meu coração.
Não sei que fim levou. Se ainda é viva ou não.
A conheci em julho de 67, bem no início das férias escolares.
Morávamos na mesma rua, em Olaria, subúrbio carioca. Nesse tempo eu era meio esquisitão. Não tinha amigos na escola e ainda não havia me enturmada com os meninos da rua para jogar bola. Era o único garoto da rua que soltava pipa da janela de um apartamento.
Foi quando conheci aquela menina magrela, que morava no último prédio da rua. A corrente da minha bicicleta tinha enganchado e eu ali sem saber como soltá-la. A tal menina saiu do prédio com um alicate na mão e me mostrou como fazer. Fiquei muito agradecido, e voltei para casa.
Não demorou, e alguns dias depois ela me abordou na calçada perguntando se podia ir até o meu prédio e se eu queria ser seu amigo:
- Sabe o que é, disse ela... não tenho amigas onde moro. Ninguém lá do prédio gosta de nós, porque somos judeus. Por isso minha mãe não deixa eu ficar na rua. Mas se eu arrumar um amigo, disser que é pra estudar junto, fazer trabalho da escola, ela vai deixar. Lá, a gente inventa o que fazer.
O perfil de Sarah se encaixava com o meu: solitária, sem amigos e presa dentro de um apartamento.
Aceitei sua amizade na hora. Marcamos sua ida a meu prédio para a manhã seguinte
E o tal dia chegou. Sarah trazia uma bolsa cheia de cacarecos, livros, revistas e outras bugingangas. O problema agora era saber onde ficaríamos.
Na minha casa não dava, pois meus irmãos ficavam no quarto estudando. No jardim do prédio também não pois era estação chuvosa. Na escada a síndica não permitia.
Só havia um local para nos reunir : a casa de máquinas.
Ficava debaixo do vão da escada do 1º andar. Tratava-se de um cubículo escuro, onde havia a bomba que puxava água da cisterna. Devia medir mais ou menos 1,5 x 2,00. Era o suficiente para caber nós dois e as bugingangas de Sarah. Era o local mais conveniente, pois a bomba era acionada apenas uma vez ao dia, pontualmente às 7 da manhã. Sabia que ninguém iria nos incomodar.
No inverno de 67, eu contava com 11 anos e 3 meses, enquanto Sarah acabara de completar doze. Nessa faixa etária, as meninas costumam ser mais maduras do que os meninos. Sabem mais sobre questões dos adultos, conhecem mais sobre o seu próprio corpo em função das mudanças que ocorrem nessa fase da vida.
Meninos não! São imaturos, mais antenados na vida ao livre, nas brincadeiras de rua. Nas questões de adultos, limitam-se a desfolhar revistinhas no banheiro, param por aí.
Sarah tinha a mesma altura que eu, cerca de 1,48. Era bem magra, do tipo que não atraía a atenção de ninguém, exceto pelos olhos esverdeados e os longos cabelos enchacheados, de um ruivo bem pronunciado. No nariz, algumas pintinhas de ferrugem. Trajava sempre vestidinhos de algodão, discretíssimos.
Sarah era a personificação daquela que é sempre a última a ser escolhida.
Eu também não era nenhuma Brastemp. Tinha cara de babaca, ainda era baixinho, e o corte de cabelo ridículo.
Enfim, éramos iguais, isto é, aparentemente.
Na casa de máquinas havia uma lâmpada, daquelas bem fraquinhas, tipo 12 W. Servia apenas para quebrar a escuridão no cubículo.
Sentávamos no chão e Sarah começava a ler as matérias das revistas. Às vezes eram livros com belas estampas do mundo judeu. Outras, eram almanaques com piadas, historinhas, passatempos, cruzadas. Tinham também álbuns de família.
Tudo o que fazíamos ali , era iniciativa dela.
Mudava o tipo de leitura ou passatempo. Só não mudava uma coisa: Sarah fazia questão de ficar sentada coladinha a mim.
Tinha dias em que ela tirava para contar o sofrimento que seus parentes passaram no período da guerra. Encostava a cabeça no meu ombro, e por vezes chorava.
Para mim tudo aquilo era novo, me fascinava. Principalmente quando ela me abraçava por trás e começava a cantar em hebraico antigo. Eu viajava. Era simplismente divino !
Eu sei que quanto mais nos encontrávamos mais intensa era a amizade. O contato físico, de ficar colado, de mãos dadas e de abraçar tornou-se regra.
No mês seguinte veio a novidade. Sarah sumiu por uns dias. Fiquei indócil e na volta da escola fui procurá-la. Disse que não podia sair. Eu insisti. Disse que não. Aí eu apelei : se você não for hoje não precisa ir nunca mais.
Passei um bom tempo na janela esperando ela despontar na esquina. Ela enfim deu o ar da graça já no fim da tarde. Fomos para o cubículo, sentamos no chão como de costume, só que ela ficou meio afastada. Tentei me aproximar, Sarah disse não, “ não, eu estou suja” !
Eu não entendi nada, e ela foi explicando:
- é a primeira vez que eu menstruo. Voce não pode tocar em mim, o sangue é impuro.
Eu continuei não entendendo nada, e disse: que sangue ?
Ela levantou um pouquinho do vestido e mostrou a peça debaixo manchada.
Eu ainda era muito babaca para essas coisas, chucro. Na escola havia aprendido o que era cromossomo, o X, o Y, a história da fecundação, isso eu conhecia. O raio é que eu não sabia que a mulher sangra todo mês. Tão chucro que perguntei se ela tinha se machucado.
Aí ela me contou tudo, como acontece, e tal. Depois explicou sobre a tradição.
No finalzinho eu mandei a tradição dela pra casa do caralho e abracei ela por trás. Acabou aceitando o abraço: fazia parte da nossa regra o contato físico.
Acho que esse episódio era o que faltava para Sarah desabrochar o seu lado fogoso. Mostrar a calcinha já denotava uma certa intimidade e confiança.
Depois que terminou seu ciclo, Sarah me veio com umas ideias pra lá de diferentes. Brincadeiras típicas de crianças de 8 ou 9 anos. Nós ainda éramos impúberes, porém não mais crianças. Doze anos já é pré-adolescencia, a coisa já descamba para a brincadeira de girar a garrafa, ou salada mista.
Sarah não. Inventou de brincarmos de médico e paciente.
Acabei gostando da ideia. Medir pressão, coração, examinar ouvido, garganta. Tudo dentro da normalidade, sem tirar a roupa. Pela primeira vez eu tomei a iniciativa de inventar alguma coisa : a medição de peso. De resto tudo era ideia dela.
Todo dia era dia de consulta e medição de peso. Ela adorava a medição ! Mas tudo dentro dos limites. No entanto, qualquer que fosse a brincadeira, sempre, levava a um lugar-comum, que era a necessidade do contato físico. Encostar, tocar já era mais que regra. Tornara-se algo imprescindível.
Até que em um certa ocasião, Sarah me apareceu com uma lanterna dizendo que era dia de exame geral, e me passou todas as instruções : para onde direcionar o foco da lanterna, onde tocar, apertar e apalpar para encontrar “algum caroço”.
Nesse dia Sarah ficou no pêlo. Tirou tudo.
Foi então que eu descobri que ela não era simplismente uma magrela.
Ela era é linda de mais.
O seu desenho, vou descrever. Feche os olhos e imagine:
Sem dúvidas, magérrima. Voce só encontrava alguma carne bem consistente no bumbum, nas coxas e na panturrilha. O resto do corpo era bem magro, ausência quase total de massa corporal. Seus peitinhos, ainda em formação, mais pareciam duas empadinhas enfeitadas por uma azeitona. A lanterna percorreu todo o seu corpo, frente e verso. À medida que o foco de luz desbravava aquele corpinho , ia revelando onde residia sua beleza : suas sardas, aquelas pintinhas marronzinhas que cobriam sua pele em várias partes do corpo, distribuídas uniformemente.
O desenho que a cobria, emprestava sensualidade aquele corpo quase esquelético.
Atrás cobriam seus ombros literalmente, em ambos os lados . Uma mancha com várias sardas cobriam a região sacro-lombar, um pouco acima do cofrinho.
Na frente, além das poucas pintinhas no nariz, outras poucas no dorso das mãos, na virilha, e no meio do peito se abrindo como um leque. Ao redor dos mamilos as pintinhas eram escassas.
Você olhava para Sarah e parecia estar olhando para uma modelo em papel marmorizado, tal era o efeito visual. Era como se algum artista plástico, com a ponta de um pincel fino fosse chamuscando tinta nas partes mais adequadas de uma tela.
Sarah era uma pintura que acabara de ser descoberta.
Como ela gostasse muito de minha invenção, fiz questão de fazer-lhe a medição de peso, no pêlo. Era assim:
- Sarah dobrava os braços bem firme e os mantinha colados ao corpo. Eu vinha e encaixava minhas mãos por baixo dos seus cotovelos. Flexiona meus joelhos para dar impulso, e levantava Sarah o mais que pudesse. Geralmente , suportava o peso até quando sua cintura ficava no nível da minha cabeça. À medida que perdia a força no braço, deixava seu corpo deslizar sobre mim. Na altura exata, abraçava sua cintura.
Na medição desse dia rolou o primeiro beijo, e foi muito bom.
Depois disso Sarah incrementou a coisa. Inseriu o “termômetro” na brincadeira do exame, mas nunca avançamos o sinal.
Passamos a ficar pelados por horas dentro da casa de máquinas
Nos faltou tempo para fecharmos questão. Creio que se ficássemos mais seis meses brincando no cubículo, teria dado o maior bololô.
Ás vésperas do Natal, Sarah me trouxe uma má notícia : a família estava de viagem marcada para Israel. Iam morar em um kibutz em um dos territórios ocupados.
Choramos muito e ficamos ali abraçadinhos dentro da casa de maquinas por quase uma hora.
Em janeiro e fevereiro de 68, enviei duas cartas para ela, que as respondeu. Depois, enviei outras, todas ficaram sem resposta. Perdemos o contato.
Toda vez que eu mudava de residência, envia uma carta informando o novo endereço. Enviei a última em 1981 .
Presumo que deva ter morrido ainda menina, vítima daqueles confrontos sangrentos entre árabes e israelenses, no ano de 68.

Esteja onde estiver, minha pequena Sarah carrega consigo um pedaço do meu coração


sexta-feira, 8 de setembro de 2017

O DIA EM QUE CHUCK NORRIS PRENDEU DR. ANTONIO SOARES LOPES


O DIA EM QUE CHUCK NORRIS PRENDEU DR. ANTONIO SOARES LOPES


Era o ano de 1973. Recém-chegado da Guanabara, cidade com hábitos urbanos muito diferentes dos que viria a conhecer na velha Itaboraí, ainda interiorana.


Minha vida etílica na pré-adolescencia quase inexistiu. Lá em casa havia um certo rigor por parte de pai, na formação dos filhos : horário de chegar em casa, tarefas domésticas obrigatórias, consumo de álcool, e outras tantas regras a serem cumpridas.

O álcool, só nos era permitido em duas datas específicas : Páscoa e Natal, onde nos servíamos com um bom vinho do Porto

Ainda assim, com todo o rigor, dentre os filhos, fui o único que quebrou as regras, a começar pela desobrigação de frequentar os cultos nas manhãs de domingo. Aos 8 anos de idade, troquei o culto dominical pela pelada no campinho do Liigth. Aos 13, as peladas de rua até varar noite a dentro e as festinhas de sábado, quando eu voltava para casa às duas da madrugada. Quando meu pai abandonou o vício do tabaco, uma semana após,  me iniciava no vício, aos quatorze anos.

Mas na Guanabara, a garotada da minha rua, em Olaria, também era controlada pelos pais, quando o assunto era bebida alcoólica. Nas festinhas, eram pequenas doses de batidinhas como “ xixi de anjo, calcinha de nylon e leite de onça ”. Os mais ousados, quando muito, tomavam um cuba-libre ou whyski com guaraná, ou seja, álcool + açucares , o que reduz a graduação.
Ao  chegar em Itaboraí, encontrei uma realidade totalmente diferente. O mato, as plantações de laranja, aquele vasto mundão rural, propiciavam mais liberdade , outros comportamentos.

Foi quando, 3 meses após minha chegada, durante uma “pascoela” naquele ano, eu descobri a marvada !
Montenária, Paduana ou Itaocarina. Não lembro qual. Confesso que o resultado dessa experiência não me agradou muito, afora a euforia causada dentro do ônibus,- o Fagundes, gritando “ vou botar no cu do motorista .... “. Eu era apenas um iniciante.

Veio o mês de junho, e a tão esperada festa junina do Colégio Alberto Torres. Boa parte da renda seria para custear a festa dos formandos. E eu era um destes.


Sabadão friorento, sete da noite, lá estava eu para cumprir minha missão de delegado, com a incumbência de zelar pela cadeia.
Na véspera, ajudei a construí-la. Muito bambu e arame entrelaçados com uma cobertura de palha  folhas de bananeira . Tudo levantado com esmero. Tão sólida que nem o Irma ou o lobo mau seriam capazes de derrubar.
Ficava localizada bem em frente á quadra de vôlei.
O público foi chegando e assumi minha função com disciplina férrea.
Meu modus operandi era simples. No chão de terra batida marquei alguns círculos com grãos de milho e ficava observando de longe. Quem transgredisse a lei, isto é, pisar no círculo, era conduzido até a cadeia, fosse quem fosse. Preto, branco, homem, mulher, novo ou velho. Eu não era seletivo. Pisou, fudeu !
Me empolguei com a coisa.
Ao lado da cadeia, funcionava a barraca do “ quentão “. Se não for traído pela memória, as meninas da barraca eram Pedrina, Emília, Wilma e Ellen.
Após estourar a lotação da cadeia, decidi dar uma voltinha e contar para as meninas meu sucesso como delegado. Pedrina me chamou e disse assim: toma um copinho que você merece. Está uma delícia.
Nunca havia bebido o tal de quentão,  acabei gostando, tanto que a cada cinco novas prisões, passava na barraca pra tomar mais um copinho. Foram muito mais de que vinte, com certeza.
A essa altura, já me sentia um autentico Chuck Norris , porém mamado !
Impus outra regra . Não tinha essa de pagar a fiança para não ir preso. A criatura era conduzida até a cadeia, trancada, e só depois pagava a fiança para ser solta.
Acabei gostando de ser um xerifão com regras próprias. Pensava assim, quanto mais gente presa, mais cruzeiros para a formatura. Teve gente, pai e mãe de aluno, que cheguei a prender mais de uma vez.
Chegava a ser constrangedor.
Só ouvia as pessoas dizerem, você de novo !
Só me interessava uma coisa, ter pisado no círculo. O que mais incomodava mesmo era o chá de espera : só soltava as pessoas quando atingia o limite da lotação, que era de 10 (dez).
O Chuck era tão rígido que nem mesmo Dr Antonio, diretor do colégio, escapou à força da lei. O trancafiei. Mesmo sob protestos, teve que pagar fiança e ainda mofou cinco minutos na cadeia.
Falo com segurança que das barracas da festa, a cadeia foi a mais lucrativa do ponto de vista custo-benefício : de 7 às 10, esteve superlotada várias vezes, com no mínimo 50 cabeças por hora.

   
                                 foto: Diário do Leste

Faltando pouco para às 10 da noite, Dr Antonio, meu ex-preso, mandou que eu encerrava as atividades da cadeia, pois já iria começar o baile, na parte interna do colégio.
Me incumbiu de uma nova missão:  controlar a roleta de acesso ao local do baile junino.
Se eu estiver enganado, me corrijam, mas eu vi isto como uma promoção por serviços relevantes.
Chuck às ordens , mas não sem antes tomar mais uns copinhos de quentão.

A roleta, afixada no chão, com um vão de um metro, ficava entre o muro e a cantina do seu Zé.
Passar por ela, só com ingresso. O baile junino teve início e as pessoas apresentavam o ingresso e eu ia roletando.
Tudo ia bem, até que a rolentrou.
Como uma aparição doutro mundo, me surgiu uma criatura toda engravatada, dentro de um terno barato cheirando a mofo. Era um neguinho com pouco mais de metro e meio.
Insolente, arrogante. Não o fosse, nada de excepcional teria acontecido.
Encostou na roleta, fazendo menção de passar. Suas mãos nada traziam.
Travei a roleta com a perna, estiquei a mão  e disse apenas, ingresso !
O malandro virou respondendo com insolência:
- Sou comissário de polícia.
Respondi:
- e eu o Roberto Carlos.
O neguinho, se é que fez Academia não aprendeu que Delegado é mais que Comissário.
O tempo foi fechando. Atrás dele haviam dois meganhas.
Ele forçou a roleta mais uma vez, e eu com o pé girei a trava da roleta.
Pronto ! Agora para passar a roleta só por cima dela , e por cima de Chuky.
Atrás dele, e dos meganhas, já se formava uma fila de pessoas com ingresso, querendo entrar, e os três ali empatando o acesso.
Destrava a roleta, sou Comissário, tenho direito de entrar,, disse  ele.
Para mim aquela festa era filantrópica, destinada à festa de formatura, e portanto, todos teriam  que pagar ingresso.
Pois ele levou a mão ao bolso do paletó e já falando grosso, em tom exaltado, tirou uma carteira, que eu nem quis saber do que se tratava.
Plantei a mão nos córneos do sujeito. Pegou em cheio no escutador de samba,
Meu nome é Chuky. Chuky Norris !


Que nem João Teimoso, foi e voltou e os meganhas vieram  juntos. Levou outro, de mão aberta.
Muito rápido chegaram cinco professores para apagar o incendio. 
Creio que eram Bené, Ismael, Roberto, Luis Caffaro  e Fabiano.
Me segura daqui, me segura de lá, Fabiano tentando me conter, eu muito exaltado, e os dois meganhas ameaçando pular a roleta.
Eu era todo “ quentão “ .
Nisso, Fabiano teve a infeliz ideia de passar os braços por baixo de minhas axilas e me aplicar uma chave de pescoço.
Era tudo o que eu precisava : uma alavanca.
Quando ele apertou a chave, eu ganhei impulso eu larguei duas pesadas bem aplicadas na fuça dos três.
Depois disso me afastaram do ambiente, que ficou muito pesado para um garoto de apenas dezessete anos.
Fabiano só lamentou comigo  um prejuízo seu : o paletó azul novinho, rasgou todinho debaixo do braço.
A direção do colégio não voltou ao assunto, dando-o por encerrado. Nunca fui chamado para falar sobre o ocorrido e nem repreendido.

Talvez , o queridão, professor Ismael, deva lembrar do episódio. Pedrina e Wilma, do quentão, e Margô que me acompanhou até em casa.

Viva o CAT !
Vida longa ao nonagenário Dr. Antonio , meu prisioneiro mais ilustre !

Viva o quentão !



segunda-feira, 10 de abril de 2017

O ESPELHO DOS LOUCOS



            O ESPELHO DOS LOUCOS



Os espelhos não guardam o passado.
Projetam dialeticamente realidades mortas,
Que se sucedem umas às outras, infinitamente.
Tudo muda a cada milionésima fração do tempo....
Assim, busco no espelho minha outra realidade,
a recidiva,
que ainda está por vir,
se me houver amanhã.
Lanço um languido olhar ictérico
sobre a imensidão da superfície fria do espelho .
A imagem é turva,
nada revela.
Uma densa camada de poeira se mistura a inúmeras gotículas de umidade
deixadas pela madrugada que ora finda.
Passo meus dedos sobre o espelho
tentando remove-las com um traço.
Do embornal retiro um pequeno frasco
de precioso éter,
que sorvo com sofreguidão.
Em instantes, sinto-me tomado por aquela lucidez
tão própria aos loucos ,
A lucidez de enxergar através de,
Onde reside a essência das coisas.
Volto o olhar ao espelho,
e naquele despretensioso traço rascunhado sobre o pó,
vejo uma estrada e em sua silhueta mergulho.
É a velha e longa estrada por mim já percorrida em anos.
Olho para baixo.
Sob meus calcanhares brota um tênue linha
qual divisa entre a estrada e um bárbaro abismo.
Deste são feitos passado e breu,
não comportam no espelho.
Tragada em sua maior extensão,
a estrada, hoje breve travessia, tem suas premissas:
Não há chegadas nem partidas,
tudo é meio do caminho.
Sem retornos, variantes ou marginais,
segue em uma única direção,
que desemboca em meu infinito singular.
Olho para trás e me despeço,
tão somente , daquilo que ficou por fazer.
Como Quixote solitário,
sigo a frente de meu próprio prestito.
Não trago bagagem de mão, diplomas ou testamentos.
Em meu comboio , trago apenas a humanidade inteira,
dentro de um enorme saco de aninhagem,
com a boca amarrada em nó de marinheiro.
Faz calor no altiplano,
E o sol insiste em irromper-se em feixes,
fazendo fendas entre as nuvens
num céu todo em gris.
Frondosas tamarineiras sombreiam com generosidade
todo o percurso que me resta.
Seus frutos caídos ao solo, formando um belo tapete,
serve agora como lauto banquete,
disputado por tejús, formigões e pequenos insetos alados.
Um acentuado olor acri-doce invade a vereda.
À beira do caminho,
Antoninos pudicos curvam-se elogiosamente enquanto passo.
Os abençoo, e tal como eles sigo descalço.
Busco alcançar o pontilhão por onde passa o rio.
Vejo apenas um ínfimo filete d’agua,
como resquício da ação humana.
Resiste em seu percurso sinuoso,
tentando encher com esforço ergúleo,
os pequenos sulcos entre as pedras,
Na ânsia louca, quase que poética
de reencontrar-se com o mar.
Mais adiante , na margem esquerda da travessia,
floresce uma comunidade de fazedores de coisas.
Tudo nela funciona em regime de escambo.
O fazedor de licores, a cigana, o moleque do amendoim torradinho,
o vassoureiro, a prostituta, o florista, a baiana do acarajé,
o amolador de facas e a cerzideira.
Dentre eles, a figura singular de um velhinho ,
que se propõe a trocar abraços apenas.
Todos me oferecem graciosamente seus produtos e serviços.
Ah, se o tempo não me fosse tão exíguo, aceita-los-ia, a todos.
Não me permito tardar na fruição de tantos mimos e préstimos.
Educadamente aceito apenas tres :
- o abraço do velhinho, o beijo da prostituta e um trago de genipapo.
Sigo em busca do destino que me foi reservado,
Até que repentinamente o cortejo é interrompido aos berros:
Extra, extra !
Um menino-velho, lá das bandas do faz-tudo,
Traz nas mãos seu fardo de jornais com as notícias de amanhã.
Pego um exemplar ainda cheirando a tinta.
Passo a vista no folhetim que traz como manchete,
Um grave acidente envolvendo um espelho
que partiu-se em milhares de pedaços.
Ensejaria ser o meu ?
Porque ocupar-me com dúvidas se é tácito não haver retorno?
Aperto o passo.
Lá adiante, já no declive,
a ponta de um cruzeiro se torna visível.
A cada passo meu, o cruzeiro se agiganta.
Ouço um som bem familiar.
Tibum, bum-bum. Popororó, pom-pom.
É a galante retreta que lá do alto do coreto
A tocar meu réquiem.
Retribuo a deferência timidamente,
entoando um bravíssimo tra-la-lá.
Há rostos apinhados junto à servidão pública.
São os velhos abutres de sempre : rastaquores de todo tipo,
Mercadores de almas, palaciannos, falsos profetas, cafetões da eucaristia,
Proxenetas ,vendedores de indulgencias, laia da pior espécie.
Aguardam apenas as dez badaladas da sineta,
para abrirem a banca de negócios e tratativas.
Ênclises e mesóclises que os partam !
Desviei-me da escória, atravessando uma enorme plantação de girassóis híbridos,
cor de carmim.
Subitamente a tarde cai e o céu logo escurece.
Um velho barnabé se apressa em direção ao cruzeiro,
Onde afixa uma enorme tabuleta, com os seguintes dizeres:
- Sine die. Grato !
Não me apercebera que a hora do Angelus chegara,
e que por força de leis maiores,
ficam suspensas todas as cerimônias rituais, prestitos e despedidas,
até que a Alba ressurja no horizonte anunciando o dia novo.
Derribei por terra todo o esforço de uma jornada inteira, naquela minúscula fração de segundos desperdiçada com os prazeres d’alma: o abraço, o beijo e o licor.
Agora, o pérfido destino lança-me à própria sorte, impondo contrariar a premissa original, condenando-me a retornar para a realidade morta .
A esta altura o éter evaporarasse, e seu efeito dissipado.
Possuído pela ira dos deuses , lanço mão de uma marreta,
desferindo contundentes golpes no espelho,
corroborando com o noticiário do infante redator.
No meu hoje sigo metastasiando a vida,
Enquanto assim ela o permitir.
Como o filete d’água que acredita em seu reencontro com o mar,
Guardo certeza que n’algum desses dias de ventura plena,
percorrerei os últimos passos que me separam de meu infinito singular,
terra onde habitam as memórias,
Lugar-comum em que os espelhos não tem aço 
.
(AS/2017)
 



sábado, 16 de janeiro de 2016

E.C.Comercial de Itaboraí : Aquela égua era cavalo (1974)





Definitivamente, aquele não era meu dia. Tudo deu errado !

Se a memória não me falhar, era 26 de janeiro , do ano de 1974.
Aquele sábado prometia.  E como !

Acordei cedo e fui a Niterói comprar um blaser, pois à noite
seria o baile de Formatura do Colégio Alberto Torres.

Afora meus jeans Lee e USTop, só tinha uma calça boca
sino rosa (do pantera) e de “social” uma camurçada na cor
grená,- menos chamativa. Teria que escolher um blaser que
combinasse com o grená.
 
Chegando em Niterói, procurei muito por algo que prestasse, mas

com a grana pouca, acabei levando um blaser xadrez de fibra

sintética, preto/azul brilhoso. O bicho era muito feio, e por cima do

grená , me deixava parecendo uma árvore de natal.

 
igualzinho (coisa feia !)

O sábado prometia !

Na volta, meu óculos caiu no chão do onibus, quebrando
uma das lentes.

A essa altura já seria uma árvore de natal míope !

Voltei para casa e fui cuidar de minha rotina diária : Regar as
plantas do jardim, passear com o Duque,- nosso cão, e
recolher seu cocô no quintal.

Para minha infelicidade, na hora de fazer  festinha ,duque
meteu suas patas na minha mão esquerda, arrancando a
pedra rubi (rosada) de meu anel de formatura. Não enxergo
sem óculos para além de 40 centímetros ! Como achar
a maldita pedra na grama e areia sem meus óculos ? Depois
de meia hora de buscas desisti.

O que mais, de ruim, poderia me acontecer naquele sábado ?

Pois aconteceu !

Naquele tempo, tinhamos por hábito mascar chiclete,- o
ping-pong.  E ... acabei quebrando meu primeiro dente
definitivo: um pré-molar.

A desgraça estava completa : eu já era uma árvore de natal
ambulante, míope, banguela,  e com um anel de formatura
sem o principal: o rubi .

Às 19 horas, fomos em tres, marchando os quase 3 kms
entre o Outeiro e a Praça, no centro : eu, Margô e Aílton
Pereira (Baiano).

O baile , no Comercial, começaria às 22. Seguimos para lá.

Tudo transcorrendo normalmente. Solenidade, os discursos
dos professores Aulus, Fabiano e do  Luiz C.Cáffaro, e o conjunto

tocando as músicas do hit parade.

Nas laterais do salão várias mesas para os familiares dos
formandos. O clube estava lotado.



Eu hoje estou sozinho. Eu gasto meu tempo com garotas doces, até que eu recupere o controle, minha mente sobreviva,... o tempo passa e eu sei: eu encontrarei uma garota, mas eu ainda me lembro, e ela me faz chorar...”


 
Aí veio o segundo intervalo. Eu e Ailton fomos para o bar do
clube, escolhemos uma mesa, pedimos um conhaque e uma
cerveja. E eu com o "She made me cry" na cabeça (eu encontrarei

uma garota ) .

Prestes a completar 18, quase um ano na cidade, eu só tinha pego

Helena, a zarolha. Era muito pouco !

Mas aquele sábado prometia !

No balcão do bar encostaram , um recruta (à paisana) com
mais de dois metros de altura e uma moreninha jeitosa, com
um belo rabo-de-cavalo que ia até a metade das costas.

Não era bem uma morena. Era meio amarela . Enfim !

Um conhaque, uma cerveja, outro conhaque e mais outra
gelada,... o sujeito vai ficando mais solto, mais seguro de si,
arrojado, audacioso, conquistador.

Depois da terceira rodada, perdi a timidez. Aproveitei o
momento que o recruta foi ao banheiro e mexi com a
morena: pisquei o ôlho, fiz sinal, mandei beijinho, e nada da
morena corresponder a  meu flerte.

O reco  voltou do banheiro, e os dois ficaram mais um tempo ali no

balcão confabulando.

Ousei um segundo assédio (mandei um beijinho no
assopro), .. foi quando arremessaram uma cadeira em minha
direção.

Aí o tempo fechou !

Corremos para o salão, e a pôrrada começou a cantar. Vc só
via as janelas do salão sendo fechadas. Uma gritaria
medonha das meninas , cadeiras e mesas voando, a zoada
bonita do tilin-tilin das garrafas se quebrando.

Trancaram a porta principal do salão. Quem saiu, saiu.
Quem não saiu, que se defendesse.

À essa altura, eram uns quase 30 rapazes do CAT (Alberto Torres),
encarando o recruta de 2 metros e a morena do rabo-de-cavalo.

O recruta era muito forte: vc quebrava uma cadeira na cabeça

do sujeito e ele parecia não sentir. Ele era a reencarnação do

incrível Hulk. Batia muito !

Lembro que pegou  Hervé e Taquinho pelo pescoço e os

arremessou contra  janela como se fossem dois travesseiros.

Enquanto isso, a moreninha, distribuía as voadoras. A
menina tinha um impulso fantástico. Seu “mortal” era papo
de 2 metros para mais.

Depois de 20 minutos de UFC, e com o interior do clube todo
destruído, chegou um reforço policial: 8 PMs do destacamento de

Rio Várzea. Oito para  conter o recruta, que munido de um gargalo

de garrafa rasgou o braço de um dos PMs,- o tal de Nilão.

Finalmente dominado e algemado , foi levado para a delegacia.

Duas horas depois, um jeep do Exército o resgatou, pondo-o em

liberdade.

A morena do rabo-de-cavalo, em ação cinematográfica “ a la
Bruce Lee “ ,saltou em fuga os 3 metros de muro do clube, e

escafedeu-se.

 
 

Só então vim saber que aquela égua era cavalo : chamava-
se Mario Sato (Mitsunari) , muito conhecido em Papucaia até
hoje.
 
E assim termina a história do atrapalhado Mr.Magoo de Itaboraí,

que pode ser confirmada pelo Ailton Pereira (Baiano), Margô,
Hervé, Batista, Sandrinha, Marcia Boechat, Pedrina, e pelo próprio

Sato, que mora atualmente na Estrada da Granada (Papucaia)
 
 

 

 Alberto Santos