O DIA EM QUE CHUCK NORRIS PRENDEU DR. ANTONIO SOARES
LOPES
Era o ano de 1973. Recém-chegado da Guanabara, cidade
com hábitos urbanos muito diferentes dos que viria a conhecer na velha
Itaboraí, ainda interiorana.
Minha vida etílica na pré-adolescencia quase
inexistiu. Lá em casa havia um certo rigor por parte de pai, na formação dos
filhos : horário de chegar em casa, tarefas domésticas obrigatórias, consumo de
álcool, e outras tantas regras a serem cumpridas.
O álcool, só nos era permitido em duas datas
específicas : Páscoa e Natal, onde nos servíamos com um bom vinho do Porto
Ainda assim, com todo o rigor, dentre os filhos, fui
o único que quebrou as regras, a começar pela desobrigação de frequentar os
cultos nas manhãs de domingo. Aos 8 anos de idade, troquei o culto dominical
pela pelada no campinho do Liigth. Aos 13, as peladas de rua até varar noite a
dentro e as festinhas de sábado, quando eu voltava para casa às duas da
madrugada. Quando meu pai abandonou o vício do tabaco, uma semana após, me iniciava no vício, aos quatorze anos.
Mas na Guanabara, a garotada da minha rua, em Olaria,
também era controlada pelos pais, quando o assunto era bebida alcoólica. Nas
festinhas, eram pequenas doses de batidinhas como “ xixi de anjo, calcinha de
nylon e leite de onça ”. Os mais ousados, quando muito, tomavam um cuba-libre
ou whyski com guaraná, ou seja, álcool + açucares , o que reduz a graduação.
Ao chegar em
Itaboraí, encontrei uma realidade totalmente diferente. O mato, as plantações
de laranja, aquele vasto mundão rural, propiciavam mais liberdade , outros
comportamentos.
Foi quando, 3 meses após minha chegada, durante uma
“pascoela” naquele ano, eu descobri a marvada !
Montenária, Paduana ou Itaocarina. Não lembro qual.
Confesso que o resultado dessa experiência não me agradou muito, afora a
euforia causada dentro do ônibus,- o Fagundes, gritando “ vou botar no cu do
motorista .... “. Eu era apenas um iniciante.
Veio o mês de junho, e a tão esperada festa junina do
Colégio Alberto Torres. Boa parte da renda seria para custear a festa dos
formandos. E eu era um destes.
Sabadão friorento, sete da noite, lá estava eu para
cumprir minha missão de delegado, com a incumbência de zelar pela cadeia.
Na véspera, ajudei a construí-la. Muito bambu e arame
entrelaçados com uma cobertura de palha
folhas de bananeira . Tudo levantado com esmero. Tão sólida que nem o
Irma ou o lobo mau seriam capazes de derrubar.
Ficava localizada bem em frente á quadra de vôlei.
O público foi chegando e assumi minha função com
disciplina férrea.
Meu modus operandi era simples. No chão de terra
batida marquei alguns círculos com grãos de milho e ficava observando de longe.
Quem transgredisse a lei, isto é, pisar no círculo, era conduzido até a cadeia,
fosse quem fosse. Preto, branco, homem, mulher, novo ou velho. Eu não era
seletivo. Pisou, fudeu !
Me empolguei com a coisa.
Ao lado da cadeia, funcionava a barraca do “ quentão
“. Se não for traído pela memória, as meninas da barraca eram Pedrina, Emília,
Wilma e Ellen.
Após estourar a lotação da cadeia, decidi dar uma
voltinha e contar para as meninas meu sucesso como delegado. Pedrina me chamou
e disse assim: toma um copinho que você merece. Está uma delícia.
Nunca havia bebido o tal de quentão, acabei gostando, tanto que a cada cinco novas
prisões, passava na barraca pra tomar mais um copinho. Foram muito mais de que
vinte, com certeza.
A essa altura, já me sentia um autentico Chuck Norris
, porém mamado !
Impus outra regra . Não tinha essa de pagar a fiança
para não ir preso. A criatura era conduzida até a cadeia, trancada, e só depois
pagava a fiança para ser solta.
Acabei gostando de ser um xerifão com regras
próprias. Pensava assim, quanto mais gente presa, mais cruzeiros para a
formatura. Teve gente, pai e mãe de aluno, que cheguei a prender mais de uma
vez.
Chegava a ser constrangedor.
Só ouvia as pessoas dizerem, você de novo !
Só me interessava uma coisa, ter pisado no círculo. O
que mais incomodava mesmo era o chá de espera : só soltava as pessoas quando
atingia o limite da lotação, que era de 10 (dez).
O Chuck era tão rígido que nem mesmo Dr Antonio,
diretor do colégio, escapou à força da lei. O trancafiei. Mesmo sob protestos,
teve que pagar fiança e ainda mofou cinco minutos na cadeia.
Falo com segurança que das barracas da festa, a
cadeia foi a mais lucrativa do ponto de vista custo-benefício : de 7 às 10,
esteve superlotada várias vezes, com no mínimo 50 cabeças por hora.
foto: Diário do Leste
Faltando pouco para às 10 da noite, Dr Antonio, meu
ex-preso, mandou que eu encerrava as atividades da cadeia, pois já iria começar
o baile, na parte interna do colégio.
Me incumbiu de uma nova missão: controlar a roleta de acesso ao local do
baile junino.
Se eu estiver enganado, me corrijam, mas eu vi isto
como uma promoção por serviços relevantes.
Chuck às ordens , mas não sem antes tomar mais uns
copinhos de quentão.
A roleta, afixada no chão, com um vão de um metro,
ficava entre o muro e a cantina do seu Zé.
Passar por ela, só com ingresso. O baile junino teve
início e as pessoas apresentavam o ingresso e eu ia roletando.
Tudo ia bem, até que a rolentrou.
Como uma aparição doutro mundo, me surgiu uma
criatura toda engravatada, dentro de um terno barato cheirando a mofo. Era um
neguinho com pouco mais de metro e meio.
Insolente, arrogante. Não o fosse, nada de
excepcional teria acontecido.
Encostou na roleta, fazendo menção de passar. Suas
mãos nada traziam.
Travei a roleta com a perna, estiquei a mão e disse apenas, ingresso !
O malandro virou respondendo com insolência:
- Sou comissário de polícia.
Respondi:
- e eu o Roberto Carlos.
O neguinho, se é que fez Academia não aprendeu que
Delegado é mais que Comissário.
O tempo foi fechando. Atrás dele haviam dois
meganhas.
Ele forçou a roleta mais uma vez, e eu com o pé girei
a trava da roleta.
Pronto ! Agora para passar a roleta só por cima dela
, e por cima de Chuky.
Atrás dele, e dos meganhas, já se formava uma fila de
pessoas com ingresso, querendo entrar, e os três ali empatando o acesso.
Destrava a roleta, sou Comissário, tenho direito de
entrar,, disse ele.
Para mim aquela festa era filantrópica, destinada à
festa de formatura, e portanto, todos teriam
que pagar ingresso.
Pois ele levou a mão ao bolso do paletó e já falando
grosso, em tom exaltado, tirou uma carteira, que eu nem quis saber do que se
tratava.
Plantei a mão nos córneos do sujeito. Pegou em cheio
no escutador de samba,
Meu nome é Chuky. Chuky Norris !
Que nem João Teimoso, foi e voltou e os meganhas
vieram juntos. Levou outro, de mão
aberta.
Muito rápido chegaram cinco professores para apagar o
incendio.
Creio que eram Bené, Ismael, Roberto, Luis Caffaro e Fabiano.
Me segura daqui, me segura de lá, Fabiano tentando me
conter, eu muito exaltado, e os dois meganhas ameaçando pular a roleta.
Eu era todo “ quentão “ .
Nisso, Fabiano teve a infeliz ideia de passar os
braços por baixo de minhas axilas e me aplicar uma chave de pescoço.
Era tudo o que eu precisava : uma alavanca.
Quando ele apertou a chave, eu ganhei impulso eu
larguei duas pesadas bem aplicadas na fuça dos três.
Depois disso me afastaram do ambiente, que ficou
muito pesado para um garoto de apenas dezessete anos.
Fabiano só lamentou comigo um prejuízo seu : o paletó azul novinho,
rasgou todinho debaixo do braço.
A direção do colégio não voltou ao assunto, dando-o
por encerrado. Nunca fui chamado para falar sobre o ocorrido e nem repreendido.
Talvez , o queridão, professor Ismael, deva lembrar
do episódio. Pedrina e Wilma, do quentão, e Margô que me
acompanhou até em casa.
Viva o CAT !
Vida longa ao nonagenário Dr. Antonio , meu
prisioneiro mais ilustre !
Viva o quentão !
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