Páginas

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

O DIA EM QUE CHUCK NORRIS PRENDEU DR. ANTONIO SOARES LOPES


O DIA EM QUE CHUCK NORRIS PRENDEU DR. ANTONIO SOARES LOPES


Era o ano de 1973. Recém-chegado da Guanabara, cidade com hábitos urbanos muito diferentes dos que viria a conhecer na velha Itaboraí, ainda interiorana.


Minha vida etílica na pré-adolescencia quase inexistiu. Lá em casa havia um certo rigor por parte de pai, na formação dos filhos : horário de chegar em casa, tarefas domésticas obrigatórias, consumo de álcool, e outras tantas regras a serem cumpridas.

O álcool, só nos era permitido em duas datas específicas : Páscoa e Natal, onde nos servíamos com um bom vinho do Porto

Ainda assim, com todo o rigor, dentre os filhos, fui o único que quebrou as regras, a começar pela desobrigação de frequentar os cultos nas manhãs de domingo. Aos 8 anos de idade, troquei o culto dominical pela pelada no campinho do Liigth. Aos 13, as peladas de rua até varar noite a dentro e as festinhas de sábado, quando eu voltava para casa às duas da madrugada. Quando meu pai abandonou o vício do tabaco, uma semana após,  me iniciava no vício, aos quatorze anos.

Mas na Guanabara, a garotada da minha rua, em Olaria, também era controlada pelos pais, quando o assunto era bebida alcoólica. Nas festinhas, eram pequenas doses de batidinhas como “ xixi de anjo, calcinha de nylon e leite de onça ”. Os mais ousados, quando muito, tomavam um cuba-libre ou whyski com guaraná, ou seja, álcool + açucares , o que reduz a graduação.
Ao  chegar em Itaboraí, encontrei uma realidade totalmente diferente. O mato, as plantações de laranja, aquele vasto mundão rural, propiciavam mais liberdade , outros comportamentos.

Foi quando, 3 meses após minha chegada, durante uma “pascoela” naquele ano, eu descobri a marvada !
Montenária, Paduana ou Itaocarina. Não lembro qual. Confesso que o resultado dessa experiência não me agradou muito, afora a euforia causada dentro do ônibus,- o Fagundes, gritando “ vou botar no cu do motorista .... “. Eu era apenas um iniciante.

Veio o mês de junho, e a tão esperada festa junina do Colégio Alberto Torres. Boa parte da renda seria para custear a festa dos formandos. E eu era um destes.


Sabadão friorento, sete da noite, lá estava eu para cumprir minha missão de delegado, com a incumbência de zelar pela cadeia.
Na véspera, ajudei a construí-la. Muito bambu e arame entrelaçados com uma cobertura de palha  folhas de bananeira . Tudo levantado com esmero. Tão sólida que nem o Irma ou o lobo mau seriam capazes de derrubar.
Ficava localizada bem em frente á quadra de vôlei.
O público foi chegando e assumi minha função com disciplina férrea.
Meu modus operandi era simples. No chão de terra batida marquei alguns círculos com grãos de milho e ficava observando de longe. Quem transgredisse a lei, isto é, pisar no círculo, era conduzido até a cadeia, fosse quem fosse. Preto, branco, homem, mulher, novo ou velho. Eu não era seletivo. Pisou, fudeu !
Me empolguei com a coisa.
Ao lado da cadeia, funcionava a barraca do “ quentão “. Se não for traído pela memória, as meninas da barraca eram Pedrina, Emília, Wilma e Ellen.
Após estourar a lotação da cadeia, decidi dar uma voltinha e contar para as meninas meu sucesso como delegado. Pedrina me chamou e disse assim: toma um copinho que você merece. Está uma delícia.
Nunca havia bebido o tal de quentão,  acabei gostando, tanto que a cada cinco novas prisões, passava na barraca pra tomar mais um copinho. Foram muito mais de que vinte, com certeza.
A essa altura, já me sentia um autentico Chuck Norris , porém mamado !
Impus outra regra . Não tinha essa de pagar a fiança para não ir preso. A criatura era conduzida até a cadeia, trancada, e só depois pagava a fiança para ser solta.
Acabei gostando de ser um xerifão com regras próprias. Pensava assim, quanto mais gente presa, mais cruzeiros para a formatura. Teve gente, pai e mãe de aluno, que cheguei a prender mais de uma vez.
Chegava a ser constrangedor.
Só ouvia as pessoas dizerem, você de novo !
Só me interessava uma coisa, ter pisado no círculo. O que mais incomodava mesmo era o chá de espera : só soltava as pessoas quando atingia o limite da lotação, que era de 10 (dez).
O Chuck era tão rígido que nem mesmo Dr Antonio, diretor do colégio, escapou à força da lei. O trancafiei. Mesmo sob protestos, teve que pagar fiança e ainda mofou cinco minutos na cadeia.
Falo com segurança que das barracas da festa, a cadeia foi a mais lucrativa do ponto de vista custo-benefício : de 7 às 10, esteve superlotada várias vezes, com no mínimo 50 cabeças por hora.

   
                                 foto: Diário do Leste

Faltando pouco para às 10 da noite, Dr Antonio, meu ex-preso, mandou que eu encerrava as atividades da cadeia, pois já iria começar o baile, na parte interna do colégio.
Me incumbiu de uma nova missão:  controlar a roleta de acesso ao local do baile junino.
Se eu estiver enganado, me corrijam, mas eu vi isto como uma promoção por serviços relevantes.
Chuck às ordens , mas não sem antes tomar mais uns copinhos de quentão.

A roleta, afixada no chão, com um vão de um metro, ficava entre o muro e a cantina do seu Zé.
Passar por ela, só com ingresso. O baile junino teve início e as pessoas apresentavam o ingresso e eu ia roletando.
Tudo ia bem, até que a rolentrou.
Como uma aparição doutro mundo, me surgiu uma criatura toda engravatada, dentro de um terno barato cheirando a mofo. Era um neguinho com pouco mais de metro e meio.
Insolente, arrogante. Não o fosse, nada de excepcional teria acontecido.
Encostou na roleta, fazendo menção de passar. Suas mãos nada traziam.
Travei a roleta com a perna, estiquei a mão  e disse apenas, ingresso !
O malandro virou respondendo com insolência:
- Sou comissário de polícia.
Respondi:
- e eu o Roberto Carlos.
O neguinho, se é que fez Academia não aprendeu que Delegado é mais que Comissário.
O tempo foi fechando. Atrás dele haviam dois meganhas.
Ele forçou a roleta mais uma vez, e eu com o pé girei a trava da roleta.
Pronto ! Agora para passar a roleta só por cima dela , e por cima de Chuky.
Atrás dele, e dos meganhas, já se formava uma fila de pessoas com ingresso, querendo entrar, e os três ali empatando o acesso.
Destrava a roleta, sou Comissário, tenho direito de entrar,, disse  ele.
Para mim aquela festa era filantrópica, destinada à festa de formatura, e portanto, todos teriam  que pagar ingresso.
Pois ele levou a mão ao bolso do paletó e já falando grosso, em tom exaltado, tirou uma carteira, que eu nem quis saber do que se tratava.
Plantei a mão nos córneos do sujeito. Pegou em cheio no escutador de samba,
Meu nome é Chuky. Chuky Norris !


Que nem João Teimoso, foi e voltou e os meganhas vieram  juntos. Levou outro, de mão aberta.
Muito rápido chegaram cinco professores para apagar o incendio. 
Creio que eram Bené, Ismael, Roberto, Luis Caffaro  e Fabiano.
Me segura daqui, me segura de lá, Fabiano tentando me conter, eu muito exaltado, e os dois meganhas ameaçando pular a roleta.
Eu era todo “ quentão “ .
Nisso, Fabiano teve a infeliz ideia de passar os braços por baixo de minhas axilas e me aplicar uma chave de pescoço.
Era tudo o que eu precisava : uma alavanca.
Quando ele apertou a chave, eu ganhei impulso eu larguei duas pesadas bem aplicadas na fuça dos três.
Depois disso me afastaram do ambiente, que ficou muito pesado para um garoto de apenas dezessete anos.
Fabiano só lamentou comigo  um prejuízo seu : o paletó azul novinho, rasgou todinho debaixo do braço.
A direção do colégio não voltou ao assunto, dando-o por encerrado. Nunca fui chamado para falar sobre o ocorrido e nem repreendido.

Talvez , o queridão, professor Ismael, deva lembrar do episódio. Pedrina e Wilma, do quentão, e Margô que me acompanhou até em casa.

Viva o CAT !
Vida longa ao nonagenário Dr. Antonio , meu prisioneiro mais ilustre !

Viva o quentão !



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pela visita!