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terça-feira, 16 de dezembro de 2014

A traição humana(um conto de Natal)



A traição humana      (um conto de Natal - texto adaptado)
                                                         por Alberto Santos


Ainda em tenra idade, Ismenia havia sido arrancada do seio de sua família. Foi levada para um pequeno sítio lá pelos lados do Tatu, subida do Soarinho. Na casa habitavam apenas João Catipó, antigo plantador de bananas da região e sua mãe, Dona Emerenciana, quase centenária. Do casebre, de pau-a-pique, fluía uma fumaça densa da pequena estufa onde d.Emerenciana defumava as bananas

Eram de pouca fala. Para ser mais preciso, anti-sociáveis.

E assim, Ismenia foi criada no mais absoluto isolamento, confinada naquele ambiente rude , como uma estranha. Sua alimentação era precária, quase sempre repetida a mesma dieta: mandioca, banana e couve. Vez por outra abóboras, colhidas no próprio quintal.

Longe dos irmãos e sem ter com quem brincar, limitava-se a correr de um lado a outro, em meio às galinhas criadas no terreiro.

Felicidade mesmo eram os dias de chuva, frequentes nessa região serrana de Macacu. Era o dia em que Ismenia corria pelo prado, lançando-se nas enormes piscinas formadas por aquela abençoada torrente d’água que fertilizava o solo.

Eram nestes dias que se podia vislumbrar toda a beleza de  sua tez rósea .

Passara o tempo e Ismenia já era uma mocinha , naquele verão de 1959. Mas quis a natureza madrasta  que não viesse a conhecer seu par.

Pois neste dezembro fatídico seu destino estaria traçado, justamente pelo espírito que contagia corações e mentes em torno das comemorações natalícias do deus-menino.

A casa tão pouco frequentada, passou a receber a visita de estranhos que confabulavam com João Catipó. Pareciam nunca chegar a um consenso. O mais intrigante para Ismenia, é que todos esses “visitantes” de longe a observavam, faziam gestos e sinais.

Não tardou para que Ismenia fosse levada até a uma carroça estacionada diante da cancela. Nenhuma bagagem, nenhuma despedida, nenhum afeto. Partiu !

Dali seguiu viagem serra abaixo. O caminho de burro a percorrer era tortuoso, mas para Ismenia, que jamais saíra a passeio, era pura curiosidade. Novas paisagens !

Na descida, o condutor da carroça ia cantarolando ... “ bate o sino pequenino, sino de Belém, já nasceu o deus-menino para o nosso bem...”  Chamava-se Antonio Briu.

Pelo trajeto, parecendo antever sua própria sorte, os olhos de Ismenia marejaram de lágrimas. Como que uma voz interior a lhe dizer: “ Tu nunca mais verás o verde prado, as nostálgicas montanhas a que a longínqua perspectiva empresta tão doces tonalidades azuladas  nos últimos planos da Serra do Soarinho, onde correste feliz sob a chuva, onde nem siquer tivesses tempo de experimentar as primeiras agri-doces volúpias do primero amor".

Sim: ela era virgem !

Já era noitinha quando chegaram à nova casa, nas Granadas... Logo, serviram-lhe o que comer. A refeição era farta, assim como nos dias que se seguiram: arroz, feijão, angu,frango, legumes. Pela primeira vez na vida Ismenia era tratada com dignidade. Recebeu afeto e por vezes Antonio a acariciou.

Quanta perfídia anima a alma de uma criatura humana !

No céu mal encoberto,  as nuvens corriam de vez em quando para a linha do horizonte, como se fugissem do carinho abrazador do sol, deste sol de dezembro.

O que papai Noel reservaria para Ismenia? Qual seria o primeiro presente de sua vida ?

Eram vinte e quatro, e o dia amanhecera . Antonio, o pérfido,  o sedutor, fora visitar-lhe em seu aposento bem cedinho.

Trazia nãos mãos um cordel forte e resistente.

Aproximara-se ...

E de repene subjugara-a, lhe amarrara pés e mãos, arrastando-a até bem próximo da cozinha.

Aí , apanhando o pontiagudo instrumento de seu suplício, lh’o enterrou várias vezes na carótida. Ouviu-se a quase uma légua de distancia os gritos lancinantes de Ismenia.

E abaixando-se, Antonio arrancou a pontiaguda faca do pescoço de Ismenia  ainda arquejante, e contemplou-a com um sorriso frio e cruel.

Um último jorro de sangue esguichou...

A pobre Ismenia escabuchou,... a cabeça pendeu para a esquerda, e, com a boca contraída por um rito de suprema dor, fez um esforço extremo e inútil, desesperado e impotente ...

Os olhos vítreos pareciam contemplar além, muito longe , a última e dolorosa visão da vida...

Dir-se-ia que toda aquela crueldade daqueles gestos, daquela cena, lhe havia ficado indelevelmente estereotipada na retina morta.
Na noite deste mesmo dia, o de Natal, ela, Ismenia, voltou coberta por um folha de papel manteiga, ornada com rodelas de limão, azeitonas e raminhos de agrião- e figurava como prato central à mesa da família, na tradicional ceia. À meia-noite, na hora do galo, era  devorada compulsivamente por seu pérfido algoz, Antônio Briu, que fez uma oração fúnebre de dar inveja a Bossuet.           "  Habent sua fata "    (Terentianus Maurus)








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