( Alcir Henrique da Costa - GTNM/RJ )
Neste 12 de dezembro de 2013 completa
um ano do passamento do companheiro ALCIR HENRIQUE DA COSTA. Tive o privilégio,
e por que não dizer, prazer de privar
com Alcir algumas pautas de jornal, quando generosamente me concedeu em duas
ocasiões “páginas duplas” em um periódico com 16, do jornal PÚBLICO, versando
sobre denúncias contra a Fundação IBGE : fraudes em licitação,manipulação de dados estatísticos. O bom humor sempre foi sua
marca pessoal .
“Alcir iniciou sua militância no
movimento estudantil como aluno da PUC/RJ e pelo seu intenso envolvimento em
prol de melhores condições de ensino é expulso da referida Universidade e
ingressa na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, continuando
suas atividades, na luta pela reforma universitária, no início dos anos de
1960. Nessa época participa como um dos coordenadores do Programa Nacional de
Alfabetização do Método Paulo Freire.
A partir do golpe civil militar
de 1964, continua sua militância e no final dos anos 60 é obrigado a viver na
clandestinidade. Preso duas vezes em 1970 e 1972, foi violentamente torturado.
Ao sair da prisão vai para o Peru com sua companheira, Flora Abreu e os dois
filhos pequenos.
Ao retornar do exílio milita no
Comitê Brasileiro pela Anistia/RJ e mais tarde com um grupo de ex presos
políticos e familiares de mortos e desaparecidos, funda o GTNM/RJ.
Militante da esquerda nos anos
60, Alcir foi preso e torturado pela ditadura militar que assaltara o Planalto àquela
época. Sociólogo e Escritor, Alcir retornou à militância após o exílio vivido
no Chile e na Albânia. No final dos anos 90, elege-se diretor do Sintrasef,
fundando o jornal PÚBLICO – cuja qualidade era motivo de grande orgulho para a
entidade.
·
O Público, mensal que começou a ser publicado em
setembro de 1996, com doze páginas em tamanho tablóide, e que já em 1997 passou
a ter dezesseis páginas. Esse jornal é enviado pelo correio para casa de todos
os trabalhadores filiados ao Sindicato.
E foi nas
páginas do PÚBLICO que Alcir imortalizou o irônico e questionador personagem de
cartoon, o ‘Professor Nefelibata’.
Publicou vários livros, artigos e ensaios.
Vestibular / O
devorador de calendários
por Alcir
Henrique da Costa
Mãe cutuca,
Aderbal pula da cama. Tonto, não sabe onde está. O corpo lhe dói, cada osso.
Mas Aderbal sabe que tem que estudar, e para estudar tem que trabalhar com as
duas bacias: a de alumínio e a do corpo, que se encaixam como obra de deus. O
sol forte queima as areias dos desertos e deixa alvas, tinindo, as roupas dos
clientes. Sem Aderbal, é tão difícil cumprir as tarefas... A mãe lamenta, mas
não tem saída “Tenho eu mesma que levar e buscar as coisas.” Ele me ajuda tanto
que não posso negar a importância, para ele, desse tal de Vestibular. Mas que
eu acho bobagem tudo isso, eu acho.
Mulher
esmirrada, conversa com ela mesma quando as outras entoam o seu canto. Ali,
todos os homens partiram para cidades grandes. Deixaram as mulheres sozinhas
com as crianças, seus sonhos e a rotina — E o vestibular? Implacável, cada vez
mais perto, é igual ao leviatã que vem chegando e emagrecendo os meses já cada
vez menores. Sabe-se, isso sim, que aquele que está na espreita é o devorador
de calendários. O que torna o tempo pedaços de tempo, os meses cada vez mais
colados aos seguintes. Outubro já é novembro e novembro é final de dezembro.
Pobre mãe do Aderbal, vivendo todos os dias a solidão dos seus dias: lava,
quara, engoma, passa. Meu Deus, perdão. Não sou Cristo, pai, e até a ele lhe
foi dado o direito da dúvida. Me mato? Não!! Por quê?! Porque Aderbal segura
sempre a minha mão.
O jovem chegou
em casa todo assanhado, Viu coisa boa: O passarinho verde diria o meu pai.
“Conheci o Niemeyer, mãe. Entrei sem querer na sala dos professores lá na
faculdade. Me mandou sentar. Disse a ele que queria fazer arquitetura. Ele me
deu a maior força e me aconselhou a estudar sempre e muito se quisesse ser
muito mais que um mestre-de-obras. Amanhã é o dia do tira-teima, volto aqui
para dar um abraço no senhor.” Definitivamente, a mãe de Aderbal não sabia que
raio de exame era aquele. O garoto explicou: “Mãe, tem gente pra burro querendo
entrar na universidade e poucas vagas, daí que eles fazem um concurso para ver
quem sabe mais. Esse concurso se chama vestibular.”
Hoje, Aderbal
vai para a última prova. Passou a noite acordado, roeu todas as unhas, cochilou
quando não podia sequer fechar os olhos Saiu de casa ventando. O tiquetaque do
relógio não parava. O que parou foi o ônibus, na região de Cruzes. O chofer
disse que era “coisa do giglê, dentro do carburador.” O ônibus seguiu viagem
quando já eram 6h47. O Ford do ano de 52 vai lentamente. Sem dinheiro, o menino
tinha que suportar aquele desgraçado de ônibus. Uma coisa era o mais provável
(está difícil dar tempo), outra, era apostar no negativo (‘É matematicamente
impossível dar tempo’). Aderbal preferiu largar o ônibus e tomar um táxi. Manda
o chofer correr o máximo.
A mãe de Aderbal
— o garoto se lembra — fez o que pôde: passou o café às pressas, deu a ele um
pão duro para roer no caminho, e, em cinco minutos o filho já arrastava a
mochila que o desequilibrava ao sobrar e a faltar peso nos ombros. Isso o fez
lembrar de quando estudou Momento em Descritiva. Está em cima da hora. Claro
que não vai dar tempo. E logo Aderbal que foi um dos primeiros a se inscrever
(cadeira 4, sala 16, 0006). Não adiantou nada. Meu deus que desespero. Não! Que
ódio, senhor! Pedi ajuda ao céu e até ao leviatã. Rezei para todos os santos.
Bastava uma ordem sua — chorava. Esperei o tempo todo. Bastava uma ordem divina
para que os relógios parassem.
Em frente à
universidade um homem arrasta um pesado portão de ferro. O garoto abre a porta
do táxi, larga a mochila e dispara em uma olímpica carreira. A prova começou às
7h e são 7h3min. O motorista grita pelo seu dinheiro. O taxista agarra o garoto
dá-lhe socos na cara e pelo corpo todo. Aderbal se desvencilha e sai
atropelando os familiares aglomerados na espera dos candidatos que daqui a
algum tempo estarão saindo. O reitor veio ver que confusão era aquela. Aderbal
pediu para falar. Disse que morava longe, muito longe, que o ônibus quebrou no
caminho, disse ainda que sem dinheiro pegou um táxi. Por isso o homem me bateu
muito”. O reitor disse que lei é lei e assunto encerrado. “Se eu abrir uma
exceção para você tenho que abrir para todos.” “Meu caso é diferente seu
reitor, ainda não saiu ninguém lá de dentro então não tem problema algum.” “É
como eu disse: lei é lei e assunto encerrado.” Aderbal tem ódio de todo mundo,
quer que todos se fodam. Grita para ofender: reitor filho da puta, guardinha de
merda. Ele pula o portão. O reitor não deixa, empurra o garoto de volta.
Aderbal tem certeza: tudo perdido por quatro minutos.
Aos prantos, o
garoto pede perdão a santa Teresinha, sua santa. Jura para ela que há meses não
peca. Está mais puro do que muitos santos. Todos os domingos estou na igreja
recebendo aulas de órgão. Mesmo assim, senhor, por quatro minutos estou
reprovado. Não é justo. Ou então, por questão de justiça, é correto, senhor,
apelar para todas as forças. Caminhou na direção do segurança e desafiou:
duvido que você atire, guardinha de merda. Disse e, como um felino, jogou-se
contra o guarda. Os dois lutaram pela arma. Ouviu-se um tiro. Correria. Pedidos
aos céus e ao leviatã. Dos primeiros nada veio. Do rei das águas, do cara de
crocodilo, do dominador do tempo, do meio demônio, do leviatã, daí veio — o
tiro que matou alguém. Da prova que foi ou não feita. Do curso que aconteceu ou
não. Naquela região pobre as coisas simplesmente acontecem. E aconteceu a
história de um arquiteto que, ainda criança, matou um guarda com ajuda do
leviatã. Dizem que o mundo ficou assim, não por causa do maldito, mas dos
homens que aqui reinaram. ”
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